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Os aprendizados do sistema de saúde durante a pandemia

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ithsm

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Na última terça-feira, tive o prazer de realizar em parceria com o Hospital Sírio-Libanês o webinar “Público e Privado: os aprendizados do sistema de saúde durante a pandemia”.

Para o tema, contamos com o Doutor Drauzio Varella, médico oncologista e cientista, membro do corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês. E Doutor Gonzalo Vecina Neto, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e fundador da Anvisa.

Nosso país chegou à triste marca de mais de 1 milhão de infectados, tendo perdido desde o início dessa pandemia mais de 50 mil vidas. Com o auxílio dos doutores Dráuzio e Gonzalo, nós da HSM, buscamos entender a situação, suas problemáticas e, especialmente, quais os papéis competentes aos sistemas público e privado de saúde.

Selecionei alguns trechos do webinar, que está disponível nesse link, para que mais pessoas possam acessar as ideias dessas que são duas das mentes mais brilhantes da ciência brasileira.

Responsabilidade social:
“Eu vejo a situação do Brasil com muita preocupação! A epidemia está correndo solta. As cidades que soltam um pouco aumentam seu número de mortes. A população também não entendeu a importância do isolamento pois há um Governo Federal que diz “olha, isso daí não tem problema nenhum, temos que pensar na economia”. Isso é de uma burrice catastrófica. Não é o isolamento que paralisa a economia, é o vírus. Pega as cidades que estão liberando as pessoas, isso está ativando a economia?”. – Dr. Dráuzio Varela

“50% dos recursos do SUS são federais, 25% estadual e 25% municipal. Então, estamos falando de um país que precisa do governo federal, precisa de liderança para direcionar a ajuda. Há falta de estratégia neste isolamento, especialmente com os pobres. Por que as pessoas pobres vão para a rua? Porque não há comida em casa, eles não têm a possibilidade de estocar”. – Dr. Gonzalo Vecina Neto

Sistemas público e privado de saúde (SUS):
“O SUS é o maior sistema de saúde pública do mundo. Nós temos 210 milhões de habitantes e ousamos dizer que todos têm direito à saúde pública gratuita. Vejo as pessoas falando “ah, o NHS na Inglaterra é maravilhoso”, tudo bem. Um país pequeno, com 60 milhões de habitantes, desenvolvido, uma população com alto nível educacional, até eu organizo o sistema de saúde. O Brasil, com essas discrepâncias sociais que temos, de dimensão continental, com diferenças regionais, 210 milhões de habitantes, não é uma tarefa simples!

Qual é a política de saúde pública do Brasil? Ninguém é capaz de dizer, porque não existe política de saúde pública no Brasil. Eu acho que o SUS deu uma grande demonstração de agilidade nesse momento. Foi só entrar um pouco mais de dinheiro, as pessoas se organizarem, a iniciativa privada ajudar. O SUS tem feito um esforço enorme para poder enfrentar essa situação toda nas piores condições possíveis, sem Ministério da Saúde praticamente.

Essa diferença entre a medicina privada e pública vai existir por muito tempo ainda. Mas ela não pode ter a disparidade que tem. Não podemos ter uma medicina para quem tem dinheiro, com os maiores recursos, toda tecnologia e o melhor tipo de atendimento. E uma medicina pobre feita para gente pobre. Não pode ser assim! Isso não é coisa de um país civilizado. Enfim, quando se chega numa situação de calamidade pública, essa fronteira entre o público e o privado deve desaparecer”. – Dr. Dráuzio Varela

“O SUS, assim como o sistema de saúde europeu, está fazendo o que dá para fazer. nosso Sistema Único de Saúde não é um desastre! o SUS é responsável por praticamente 100% da hemodiálise e 95% dos transplantes feitos no Brasil. É responsável pela vigilância sanitária, pela vigilância criminológica, pela distribuição de medicamentos de alto custo, por tratar quase a totalidade de hemofílicos e portadores do vírus da Aids do país. Ou seja, o SUS é um bruta de um sistema de saúde. Essa epidemia vai deixar bem claro isso: não é um problema do SUS, é um problema do Estado brasileiro. O Estado Brasileiro é muito mal gerenciado, e a gestão se dá na Administração Pública brasileira.


Essas questões relativas à articulação entre o público e o privado são muito importantes. Nós temos que discutir a melhoria de escalas e a melhoria do apoio. Tem que se ver o Estado como parte da Administração Pública, esse é o grande desafio. Se não tiver administração pública, não sobra Brasil! Tem que ter Estado com capacidade de gerir. Não é menos Estado, mas um Estado melhor”. – Dr. Gonzalo Vecina Neto

Vacinação:
“Os EUA acabaram de comprar US$ 400 milhões em vacina da AstraZeneca, que ainda não foi testada. A empresa já está construindo sua fábrica para, quando terminarem os testes, já terem um local de produção – correndo o risco de jogar toda essa produção no lixo, caso não funcione. Essa vacina será comercializada por um preço relativamente pequeno US$ 3 – cerca de R$ 21. Vinte e um reais vezes 200 milhões dá muito dinheiro. Agora, se eu decidir construir uma fábrica hoje no Brasil para essa vacina, essa fábrica vai custar mais algumas centenas de milhões de reais. Ou seja, posso acabar jogando fora alguns bilhões de reais se a vacina não tiver dado certo. O que o Tribunal de Contas dirá se esse dinheiro for público?


E essa é uma decisão estratégica de Estado, não de governo. Os países que têm governo hoje e um bom Estado estão analiticamente tomando essa decisão. E nós não temos com quem conversar sobre esse assunto no Brasil. Essa pauta custará mortes desnecessárias por alguns tostões. Isso porque, numa economia de R$ 3 trilhões como a nossa, vamos discutir R$ 2 bilhões que poderiam ser muito bem investidos para que tivéssemos capacidade de evitar a morte de 50 mil brasileiros. É disso que falamos quando falamos de vacina”. – Dr. Gonzalo Vecina Neto

“Suponhamos que até o final do ano tenhamos a vacina. Vamos imaginar que a gente comprasse da AstraZeneca ou da Sinovac, um dinheirão grande. Nós disporíamos dessa vacina, na melhor das hipóteses, em fevereiro, março. Nesse momento, será que a vacina será tão necessária assim? Tem esse risco de a epidemia começar a se esvair, em todos os lugares tem acontecido isso. E aconteceu com todas as outras epidemias. Os parentes mais próximos do coronavírus provocam epidemias de gripe e resfriados, que não dão imunidade duradoura. Tudo isso aumenta muito a complexidade dessa questão das vacinas.


Nessa hora, nós tínhamos que ter o que? Uma estratégia. Um Governo Federal que seja um Governo Federal, um Ministério da Saúde, uma pessoa de liderança, com capacidade profissional e técnica, e um bom trânsito entre as outras autoridades de fora da área médica, que pudesse estabelecer critérios. Onde é que nós vamos pôr o dinheiro? De que maneira vamos aplicar esse dinheiro? Qual o jeito melhor? De que modo podemos combater a epidemia? Mas isso é um sonho. Não estamos nem perto disso”. – Dr. Dráuzio Varela

O “novo normal”:
“O novo normal não é algo que vai acontecer, é algo que nós vamos construir. Seja na questão da informática ou direito à saúde pública, esse novo normal será construído por nós. Por isso é tão importante essa discussão, para difundir ideias e criar vontades. Nós temos que criar a vontade de ter um país melhor, de ter uma sociedade melhor, de ter um mundo melhor. Essa é a função de cada um de nós, transmitir os desafios e boas novas que esses tempos trazem consigo”. – Dr. Gonzalo Vecina Neto

“Vejo as pessoas revoltadas, mas assim é a vida, a natureza nos impôs esse limite. Essas crises ensinam muito à humanidade de um modo geral. Temos o ímpeto de querer reconstruir. Mas cabe a nós pensarmos como queremos viver a vida passado tudo isso. Será que faz sentido viver como era antes? Pegar um carro e levar 2 horas para percorrer 15km, precisa disso? Precisamos repensar muita coisa, em especial que país queremos deixar aos nossos filhos, aos nossos netos. Temos que reorganizar o país! Eu acho que na saúde, deixaremos o país melhor. O que precisamos é refletir: de que maneira somos capazes de melhorar o mundo em que vivemos? De que maneira vamos modernizar o Brasil?”. – Dr. Dráuzio Varela

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