Quando se fala sobre profissões do futuro, normalmente é sobre o futuro do trabalho. O trabalho tem um futuro pautado, mas o que eu prefiro analisar é sobre qual é o trabalho que o futuro espera. Com a presença da tecnologia e de tantas pessoas permeadas pelo darwinismo digital, precisamos compreender algo fundamental: seres humanos criam tecnologias para melhorar a sociedade de forma gradual.
É um fenômeno histórico feito por empresas e governos. Humanos são alocados em jornadas de trabalho porque ainda são considerados como recursos. Nada mais fordista que esse modelo. Empresas ainda utilizam humanos para produzir dados, enquanto isso é uma tarefa de um sensor que custa R$ 0,16. A mudança de mindset precisa ir na direção de que nós os humanos, temos capacidades que as máquinas não terão, como por exemplo, análise de ambiguidades e análise crítica. Não podemos mais confundir humanos com máquinas. Até por que humanos adoram se parecer com máquinas ruins.
O retorno à humanidade é o resultado das máquinas empurrando o ser humano para o lugar pelo qual ele nunca deveria ter saído: o fato de ser tão somente humano.
A visão fordista das empresas ainda atrapalha demais a percepção real do local e do tempo exatos de onde estamos agora. Estamos vivendo a 5ª Revolução Industrial, uma convergência homem/máquina, cada um trabalhando em seu melhor. Humanos para fazer perguntas, máquinas para responder, humanos para criar, cocriar, máquinas para simular e não mais o contrário.
Acontece que o mundo moveu as empresas para o formato de plataformas, e elas insistem em adotar o modelo de pipeline e defasado. Isso gera um desgaste e um deslocamento enorme entre o que é trabalho e, nós, os humanos. Com a pandemia, demos um salto gigantesco na questão do nomadismo digital. Agora é permitido, trabalhar de qualquer lugar, mesmo que seja muito distante. E também promoveu um salto enorme na correção de alguns ângulos sobre o trabalho. Percebemos que viver, trabalhar e aprender são uma instância única. No centro, o propósito. Afinal, quem tem propósito, faz tudo de propósito, não faz nada por acaso.
Toda essa transformação nos ajuda a compreender como as organizações das eras industriais do passado não foram feitas e não estão desenhadas para este mundo. Existe a necessidade de se estudar para sempre – tem a ver com o esgotamento dos conteúdos, que pede hoje indivíduos com visão polímata e nexialista, ou seja, seres inquietos que não se conformam e buscam conhecimento amplo e saberes não restritos a uma carreira. Um ser resiliente ao futuro e em busca de relevância, no qual emprego e trabalho são coisas diferentes. Um lugar onde a tecnologia vai tomar das pessoas o que elas adoravam fazer e vai sobrar tempo para expressões humanas mais próprias. É isso é o que o Fórum Econômico Mundial disse sobre a pandemia, que talvez a covid-19 seja uma oportunidade de ouro para se colocar pessoas e o planeta em primeiro lugar. Todo o resto virá depois. É o que se deu o nome do The Great Reset.
Esse movimento de mudança está conectado a tecnologia e ao trabalho. Devido à incapacidade de se domesticar as tecnologias e dado o fato de que elas mudam radicalmente em tempos muito curtos, o trabalho deverá assumir um formato de sprints ultrarrápidos, com todos focados na resolução de problemas em janelas de tempo cada vez mais estreitas. Por este motivo muitas empresas já se colocam à disposição de novos ecossistemas produtivos, descentralizados e de formato holacrático, em que não há mais hierarquias e especialidades.
Há distribuição de poder no qual indivíduos estão dispostas a trabalhar muito, mas não querem mais ter empregos.
Essa força de baixo para cima interfere no próprio sistema. O deslocamento do capitalismo é visível há muito tempo, existe um esgotamento no modelo que precisa ser revisitado. Há a necessidade da volta da consideração da visão social sobre as economias. O capitalismo neomarxista trouxe o mundo do excesso, mas isso não se traduz em felicidade, nem em abundância, pelo contrário, o capitalismo de base foi o grande responsável por todas as desigualdades e iniquidade que se tem hoje além de exaurir o planeta pela retirada massiva de recursos para bancar produção, distribuição e consumo de massa. Hoje isso não faz mais sentido.
Mas ainda permanece a visão “curtoprazista” patológica das empresas, pautando trimestres, tentando tirar tudo no curto prazo, deixando as mazelas para longo prazo. No pós pandemia se vive um cenário de um novo renascimento. A descontinuidade das economias no mundo trouxe também uma nova ordem. O capitalismo se desloca, mas muitos ainda pensam que um modelo que não tem mais do que 150 anos não tem como acabar.
Certamente a internet mudou os requisitos, trouxe avanços e outras mazelas pautadas pela hipermoderinidade, pelo capitalismo de vigilância, pela cultura do excesso e da felicidade idealizada, que leva pessoas ao burnout e ao suicídio, muitas vezes. Na realidade, o modelo capitalista se desloca e com ele novos formatos de trabalho, aliando tecnologias e pessoas em ambientes convergentes. Daí a necessidade de um propósito claro para as pessoas, uma vez que o empreendedorismo requer uma visão mais própria de contribuição de trabalho e de resultados. Isso também precisa ser visto à luz dos impactos transgeracionais. Novas gerações alfa e Z não têm a mesma lógica da educação e aspirações das gerações baby boomer, X e Y, por exemplo.
Também, não esperem o futuro mudar suas vidas, porque o futuro é tão simplesmente a extensão do seu presente. O futuro existe, ele está na cabeça das pessoas, com vontade, elas apontam os vetores do que se quer e do que não se quer. O futuro é humano, do poder da contemplação, do impacto de como vemos nossa atual responsabilidade que é o pensamento regenerativo do planeta e pessoas em prol de uma visão utópica e abundante.
Carlos Alberto Piazza Timo Iaria é Darwinista Digital, Futurista, Consultor Polímata, Palestrante, Autor e Professor