Muitos daqueles que lerem este texto já devem ter ouvido ou lido algo sobre o narcisismo. Muito embora este termo remonte a um mito grego de um belo jovem que era incapaz de amar uma outra pessoa e um outro ser pois não achava ninguém digno da sua beleza, e que, por isso, fez a podre ninfa Eco sofrer e se amargurar pelo fato de devotar o seu coração cantante ao ensimesmado Narciso.
Também alguns de vocês já devem ter ouvido falar ou lido sobre o narcisismo de muitos líderes, CEOs e altos executivos. Pois bem, isso é comum e não é sobre isso que falaremos.
O que desejamos refletir neste ensaio é sobre um tipo de narcisismo mais sutil e que está presente em boa parte das organizações e, pasmem, é muito difundido e minuciosamente organizado nas escolas de administração e gestão. Este tipo de narcisismo é aquele que se esconde dentro dos planos e planejamentos estratégicos das empresas. Mas, como assim? Narcisismo?
Em geral as instituições, fazem as suas análises de mercado, projeções, pesquisas com consumidores, implantação de metodologia de prospecção e de crescimento para viabilizar uma única realidade, a saber: Garantir a perenidade de um negócio.
Por mais que muitas instituições trabalhem com a lógica focada na experiência do usuário (UX) ou experiência do cliente (UC), no fundo o planejamento estratégico é um mecanismo que visa a continuidade da organização em questão. Ao fazê-lo, direta ou indiretamente a organização está focada nela própria. Certo, mas o que há de mal nisso?
De fato, nada. Não há nenhum problema em uma organização desejar se perenizar no tempo, aliás, isso é salutar. Contudo, há sim um problema quando toda a organização reduz a sua experiência e performance ao seu planejamento estratégico.
Este problema foi apontado por Nassin Taleb no livro: Antifrágil: Coisas que se beneficiam com o Caos. Segundo ele, muitas empresas se tornam frágeis por se voltarem somente para os planejamentos estratégicos e metas e deixarem de olhar as oportunidades que o cenário e o contexto no qual elas estão inseridas pode oferecer. Aqui está o problema.
Assim como Narciso que no mito grego não foi capaz de reconhecer o amor de Eco e desfrutar da oportunidade dele decorrente, o narcisimo estratégico, por estar muito focado e seguro das próprias métricas acaba se tornando refém daquilo que ele próprio idealizou. Lembre-se, por mais que os nossos planejamentos estratégicos sejam bem estruturados, metrificados e assertivos, há um fator que eles não são capazes de prever, aquilo que o próprio Taleb, em outra obra chamara de Cisnes Negros, isto é, os revezes inerentes a realidade. Vejamos um exemplo contemporâneo. A pandemia da Covid-19.
Qual empresa poderia, no seu planejamento estratégico de meados de 2019, prever que, no final daquele ano o mundo se reviraria em instabilidade por conta de um fator biológico chamado vírus?
Frente a isso, é importante conservar uma certa reserva de dúvida em relação aos próprios planos ou planejamentos estratégicos, para isso, deixo algumas sugestões.
- Conheça bem as fragilidades da sua organização. Muitas vezes pensamos que a boa e velha análise SWOT, ou então um Kaizen, como está na moda, são suficientes para identificar todas as nossas fragilidades e ameaças. Cuidado com isso. O processo de auto conhecimento institucional é gradual e mutável. Uma instituição amadurece como um organismo vivo.
- Transforme as fragilidades em situações ou estruturas antifrágeis. Esse é o grande ensinamento de Taleb. Identificar as fraquezas e fazer com que elas se transformem, uma vez transformadas, em elementos de segurança e transformação institucional. Não adianta ficar acrescentando coisas a sua marca, isso só a enfraquece. Tenha clareza do propósito da sua organização e faça com que as pessoas com as quais você trabalha também o saibam.
- Cultive, procure e identifique oportunidades. Um dos maiores elementos para a sua organização não se tornar uma narcisista estratégica é estar aberto as oportunidades que o contexto oferece. Vejamos um caso clássico na história das empresas. A Coca Cola, que nasce como um produto farmacêutico e depois migra para a indústria alimentícia.
- Cultive a dúvida metódica em relação as “certezas” dos números e métricas. Lembre-se: números, indicadores, gráficos, coeficientes e projeções são extremamente importantes para a gestão de uma organização, mas são as pessoas, com as suas histórias e dentro dos seus contextos que farão a transformação e manutenção da sua empresa. Os números pelos números são castelos de areia, bonitos e vistosos, mas frágeis.
- Procure pensar os seus produtos e serviços em cenários diferentes dos quais você ou a sua organização estão acostumados. Tal mecanismo pode ajudar você e a sua empresa a conquistar o tão sonhado “pensamento disruptivo”.
Por fim, estimule momentos de desfoque e de criatividade. Você vai notar que a oportunidade é como a lenda do saci. Só o domina quem conseguir capturar o seu gorro vermelho.
Gillianno Mazzetto é PhD em Psicologia e co-founder da Ei-Psi