A provocação deste texto é sobre a retomada dos escritórios, ambientes de trabalho e a prática do teletrabalho. Muito se tem escutado sobre o ‘Novo Normal’ – visões diversas e ricas, e às vezes, contraditórias – só para trazer um exemplo bem simples, uns defendem o acrílico como proteção e barreira para retomada da convivência corporativa, outros dizem que é mais um item que exigirá limpeza constante e se não for bem limpo, vira um agente de transmissão. Para onde ir e o que realmente considerar para a retomada do ambiente corporativo?
Por isso, após um mergulho em artigos, estudos nacionais e internacionais e análises de diversos setores, eu entendo que a discussão precisa ser muito mais estratégica e inspirada nos tão famosos 4Ps (eu não posso perder minha raiz, sou formada em Marketing), desenvolvi um conceito para o FUTURO DO TRABALHO que chamei de 4Cs – ele é mais do que discutir o acrílico, espaçamento entre pessoas ou circulação – ele é um PLANO DIRETOR que discute 4 PILARES ESTRUTURAIS sobre o que acreditamos que viveremos nos próximos anos. Lembrando que ações táticas e imediatas são necessárias agora, entretanto serão repensadas quando a vacina for encontrada e democratizada. Então vamos colocar nossa energia em pensar estrategicamente.
O que são os 4Cs? – Este conceito foi desenvolvido considerando o humano no eixo central das decisões e do futuro do trabalho: Confiança | Cuidado | Casualidade-Conforto | Conexão e abordaremos cada uma delas a seguir.
Antes, vale resgatar uma frase provocativa que adoramos do pai da Administração Peter Drucker:
“Estratégia de longo prazo não lida com decisões futuras, mas com o futuro das decisões presentes”.
Confiança – Este é um pilar amplo, recheado de variáveis controláveis e incontroláveis – agora mais do que nunca, com uma camada a mais de incertezas – porém nada fará sentido se a porta de entrada não for a CONFIANÇA! ‘Confiança’ pode ser traduzida por sinceridade, transparência, lealdade, te dou meu melhor, competência, bem-feito, fé – não algo espiritualizado e sim meu voto de confiança em você. Entendemos que o Home Office – que veio para ficar – só cabe numa gestão por CONFIANÇA. A empresa, seus gestores confiam no colaborador e o colaborador dá o seu melhor porque confia na liderança… é uma via de mão dupla, como em todo relacionamento.
No futuro do trabalho precisamos fortalecer as relações de confianças que já temos e restabelecer as que de alguma forma foram abaladas. Se em algum momento existiam dúvidas da produtividade em Home Office, certamente, isto já foi por água abaixo. Os colaboradores precisaram se adaptar, mas as lideranças também. Quantos ainda não se utilizavam do modo ‘comando-e-controle’ para supervisionar suas equipes e não gerencia-las. Além do modo de gestão, precisamos readquirir a confiança que ficou fragilizada, como de frequentar lugares públicos, estar perto do outro. E aí sim entram as ações táticas de pontos de higienização, limpeza e cuidado – que nos leva ao próximo pilar.
Cuidado – Acredito que nunca antes tivemos uma consciência tão presente em cada um de nós sobre a importância do coletivo. A lição mais forte que este momento nos deixa é que precisamos do outro para seguir, seja para ampliar nossas competências, seja para compartilhar e cuidar do coletivo. Por isso, nosso segundo pilar é sobre CUIDADO.
Aqui vale uma pequena lembrança… num momento também marcante para nosso país, para ser mais exata em 2.018, passamos pela Greve dos Caminhoneiros. Assistimos um desabastecimento preocupante, no qual todos corriam aos supermercados e compravam tudo o que podiam. Mudamos tão sutilmente nosso mindset, que eu já presenciei pessoas tirando produtos de seus carrinhos de compra e entregando para senhoras diante de uma prateleira vazia. Quantas doações! O setor privado nunca doou tanto! Os indivíduos nunca se mobilizaram tanto nas lives solidárias. Estamos na era do CUIDADO CONSCIENTE (só para acrescentar mais um ‘C’ nesta reflexão’.
Somos muito mais conscientes e atentos para o autocuidado – no qual eu tomo ações de proteção pensando no meu bem estar individual, mas também no cuidado coletivo – que eu seja também um agente do bem estar da comunidade. Isto para o FUTURO DO TRABALHO é vital… eu preciso confiar no ambiente que frequento, ter a percepção que ele é cuidado e fazer minha parte, cuidando para que ele se mantenha – atitudes tão simples e que se tornaram primordiais.
Casualidade/conforto – Outra lição aprendida para o FUTURO DO TRABALHO é que quebramos muitos protocolos e nos reconhecemos humanos… quantas reuniões virtuais com latidos de cães ao fundo, com filhos querendo colocar a cara no vídeo, com o som do micro-ondas apitando porque o prato está pronto para o almoço e tudo bem! Como mudamos nosso comportamento! Quem não se lembra do meme onde o filho invade o escritório em uma transmissão ao vivo do pai, professor e comentaria de uma respeitada rede internacional de TV em 2017. Será que em tempos de hoje haveria tanto desespero em tirar a criança de cena?
Queremos que nossos espaços de trabalho sejam a extensão de nossas casas, ofereça conforto, acolhimento, casualidade. Não, não significa que queremos trabalhar de pijama, mas todos queremos baixar a guarda das formalidades que não agregam. Sim, queremos ter áreas de convívio, descompressão, tomar um café, perguntar como foi o dia e trocar ideias de como produzir melhor. Alguns ambientes corporativos já estavam nesta linha, mas sabemos que ainda era mais aspiracional para muitos do que uma prática.
Conexão – E este último e quarto C, abrange várias leituras:
• Conexão com Pessoas: somos humanos, seres sociais, precisamos conviver e compartilhar e PONTO DE ENCONTRO será uma fascinante função do ambiente corporativo. Não viremos todos em Home Office continuamente (sim esta prática será mantida de forma alternada), queremos estar com nossos colegas!
• Conexão Tecnológica: é a infraestrutura mínima necessária para o teletrabalho, para manter a conexão com a rede da empresa, para realizar reuniões virtuais. Certamente, a transformação digital que o mundo passou foi o alicerce para enfrentarmos a pandemia e seguirmos produtivos remotamente como estamos. Inclusive emocionalmente. As comemorações virtuais, as lives de entretenimento, as conversas e apoios por grupos que trocamos mensagens. O encanto da tecnologia.
• Conexão com Valores e Propósito da Empresa: e aqui cabe uma frase que desenvolvi e acredito: ‘um propósito só tem razão de existir quando você enxerga e entende o outro’… e voltamos para a CONFIANÇA e o CUIDADO COLETIVO onde tudo se encaixa e vira um grande círculo virtuoso
Nas pesquisas e levantamentos sobre produtividade no Home Office ‘distanciamento dos colegas’ sempre é o atributo mais identificado como desvantagem na prática do teletrabalho, Somos humanos… faz parte da nossa natureza a conexão, a convivência, o compartilhamento, o coletivo. Comunidade expressa tão bem esse espaço ‘público’ utilizando a qualidade, os valores comuns que conectam a diversidade com o cuidado coletivo acima de tudo – que antes já era importante, agora é vital.
E para finalizar este artigo sobre o FUTURO DO TRABALHO, vamos colocar um horizonte de tempo. Entendemos a retomada do trabalho em 3 fases:
• Reagir (imediato)
Ações de resposta a crise/ garantir a continuidade da operação/ manter o negócio
• Retornar (curto-médio prazo)
Um retorno gradual às condições de trabalho ainda conciliando reaproveitamentos, reusos e adaptações com o objetivo de sustentar o negócio
• Recriar (médio-longo prazo)
Um retorno geral às condições de trabalho sob novas regras e condutas, respeitando os 4Cs do Futuro do Trabalho
Os espaços só fazem sentido quando concretizam a cultura da empresa.
Claudia Trentin é especialista em pensamento analítico, uso da informação e futuro do trabalho. E atua como consultora e professora HSM