Uma das palestrantes confirmadas da HSM Expo 2020, Esther Perel é considerada uma das principais vozes mundiais sobre relacionamentos individuais e coletivos. Em meio ao crescente isolamento social gerado pelo Coronavírus, a psicóloga belga publicou um dos mais importantes artigos sobre como redefinir nossos laços sociais durante a epidemia. Veja abaixo o texto traduzido na íntegra.
É muito difícil separar nossos corpos de nossos corações. Na semana passada, setecentas pessoas em New Rochelle – o epicentro em quarentena do surto de Covid-19 em Nova York – realizaram uma reunião online na cidade. Enquanto cada um deles estava confinado em suas casas, sozinhos ou com a família, a comunidade se reuniu nesse espaço virtual.
Decisões foram tomadas. Os alunos com computadores e iPads em casa puderam continuar suas aulas via videoconferência. Seria necessário adquirir esses eletrônicos para as crianças que não tinham seus próprios. Um fornecedor local, que já havia preparado comida para um Bar Mitzvah, se ofereceu para dividir a refeição em 152 caixas e entregá-las aos necessitados. Pais perguntavam se poderiam tocar em seus filhos. Um marido e uma mulher à beira da separação teriam que encontrar uma maneira de trabalhar juntos em casa. “Até uma casa grande fica pequena quando você está trancada nela”, a esposa me disse.
Na era de Covid-19, um novo “normal” chegou. À medida que nos isolamos como indivíduos e famílias, precisamos ativar a resiliência de nossas comunidades para reunir informações, planejar intervenções em escolas e hospitais e elaborar estratégias sobre como continuar trabalhando, aprendendo, socializando, amando e desejando, através de telas. Este é um território desconhecido para muitos de nós, e é a primeira vez em nossas vidas que a ordem de distanciamento social foi uma norma em nível global.
China e Europa, bem como cidades americanas como Seattle e New Rochelle, embarcaram nessa jornada algumas semanas antes do resto do mundo. No momento da produção deste artigo, estima-se que os EUA, Inglaterra, França, Espanha e Alemanha estejam aproximadamente 9 a 10 dias atrás da Itália na progressão do COVID-19.
Ouçam o que os italianos gostariam de saber há dez dias – O conselho deles segue diretrizes da Organização Mundial da Saúde, que enfatiza a necessidade de se distanciar socialmente o mais cedo possível para retardar a propagação do vírus e achatar a curva. Mesmo que uma pessoa infectada tenha um caso leve, ela pode ter um impacto significativo se infectar acidentalmente outra pessoa que é mais vulnerável a esta doença. Portanto, devemos perguntar: quando a coisa mais socialmente responsável que podemos fazer é evitar outras pessoas, como podemos manter a conexão social?
Nós estamos juntos nessa – Devemos reconhecer que estamos entrando em um período de prolongado estresse agudo, de incertezas e que será uma realidade compartilhada – com nossas famílias, comunidades, colegas e toda a humanidade. Devemos estar fisicamente separados, mas estaremos emocional e psicologicamente nisso juntos! Embora as circunstâncias sejam diferentes, essa situação induziu rapidamente um pânico psicológico, não muito diferente do que historicamente ocorreu em resposta a ataques terroristas, desastres naturais e vida nas zonas de guerra, especialmente quando há falta de recursos, as informações são ambíguas e instruções não são claras. É fácil sentir-se impotente. Ativar os recursos de cura coletiva de nossas comunidades – compartilhando histórias e informações precisas, ajudando uns aos outros e elevando o espírito dos outros – é o antídoto mais poderoso para o medo, a solidão e o isolamento.
Nos anos oitenta, eu e meu marido Jack Saul – um psicólogo especializado em trauma psicossocial em larga escala e resiliência coletiva – ensinamos juntos no Centro Psicossocial para Refugiados, em Oslo, sobre a vida familiar em guerra e exílio. Compartilhamos como condições extremas afetam a comunicação e a proximidade entre casais, pais, filhos e vizinhos.
Usei de ponto de partida o meu trabalho com judeus que estavam “escondidos” durante a Segunda Guerra Mundial e o que aprendi sobre como a situação afetava a intimidade emocional, sexual e intelectual deles. Jack, por sua vez, ensinou que essas situações não provocavam apenas o trauma do indivíduo, mas de comunidades inteiras. Grande parte do trabalho dele envolve a realidade de que o trauma coletivo requer cura coletiva, um processo dependente da ativação de nossas comunidades, não apenas a nós mesmos. Isso eleva a todos e tira certas pressões de nossos parceiros e famílias para fazer tudo sozinhos, um feito esmagador e quase impossível.
Depois do 11 de setembro, Jack e eu realizamos workshops para residentes, professores, alunos e pais em nossa comunidade no centro de Manhattan. Em vez de rastrear indivíduos para TEPT, reconhecemos que o trauma coletivo estava ocorrendo. Ele enfatizou a necessidade de explorar os pontos fortes e os recursos da comunidade para lidar com medos comuns, como por exemplo, sobre como ajudar as crianças a se sentirem seguras. Estávamos todos discutindo juntos como viver com a incerteza de um estresse ambiental prolongado, deslocamento e perda – de pessoas, lares, escolas, renda e inocência. Foi um período de grande incerteza e coesão comunitária sem precedentes. Algo semelhante está acontecendo aqui e agora. Muitas das lições que aprendemos são aplicáveis, mas há uma reviravolta: em vez de precisar sair de nossas casas, devemos permanecer confinados a elas.
Conexão social em meio ao distanciamento social – Para tornar o distanciamento social suportável, e não uma grande fonte de tensão, precisamos insistir em manter nosso apoio social e emocional. As mídias sociais nunca foram tão importantes para fornecer conexão e contexto, pois muitas de nossas comunidades ficam totalmente online. Recentemente, participei de um culto de Shabat com 900 pessoas, no Facebook Live. Cantamos juntos e praticamos os rituais compartilhados que nossos ancestrais também mantinham em situações de crise, injustiça, pobreza e pavor. Fomos atraídos por nosso rabino, Amichai Lau Lavie, que nos convidou com a mensagem: “Saiba que estamos juntos nisso, que temos maneiras de nos comunicar e que nossos ancestrais nos deixaram histórias e ferramentas para nos ajudar a lidar com essas realidades mais dramáticas.”
Todos nós, em todas as partes do mundo, carregamos esses tipos de histórias de vulnerabilidade e triunfo. As histórias são nossas diretrizes sobre como se adaptar no presente. Como Jack Saul escreveu em seu livro “Trauma coletivo, cura coletiva”, a resiliência é tão eficaz quanto diversa. Ela deve se basear na perspectiva de todas as raças, credos e classes, bem como em várias tradições indígenas, tanto seculares quanto religiosas. Quanto mais histórias compartilharmos, melhor estaremos.
Ações práticas:
– Inicie um bate-papo em grupo com sua família para obter atualizações e incentivo. Discuta as melhores práticas para cuidar de familiares idosos e mais jovens. Compartilhe planos, faça ligações telefônicas e até videoconferências.
– Jack Saul aconselha a criação de um ecomap dos seus recursos. Quem você conhece? Onde eles estão? Quem pode ajudá-lo com o que? E quem você pode ajudar?
– Participe do grupo da sua comunidade local no Facebook ou NextDoor para obter informações sobre o ambiente e participar de conversas em grupo com os vizinhos. (Em um grupo do Facebook para mães de Long Island, um membro alertou o grupo sobre lojas locais terem ficado sem papel higiênico e incluiu um link com onde poderiam comprar da Amazon)
– Sugira uma ceia digital aos domingos com os amigos por meio de uma videoconferência. Inicie um clube de livros ou filmes. Compartilhe música. É importante continuar a se conectar culturalmente de maneiras que não são definidas compartilhando atualizações sobre o Coronavírus.
– Evento importante cancelado? Veja se ele pode ser realizado virtualmente por meio de bate-papo em grupo ou transmissão ao vivo, como festas de aniversário e óperas. É mais divertido do que parece.
– Se você tem filhos em idade escolar, crie estrutura e rotina para ajudar a apoiar o aprendizado. Entre em contato com outros pais para solucionar problemas, compartilhar idéias criativas e se solidarizar. Não seja duro consigo mesmo se precisar quebrar as estruturas que você criou; é uma experiência de aprendizado para todos nós.
– Se você puder, seja voluntário para ajudar professores, administradores e alunos na transição para o aprendizado virtual.
– Se você puder se voluntariar virtualmente para ajudar centros de idosos locais, instalações de atendimento domiciliar, hospitais e centros de atendimento de urgência, ligue ou envie um e-mail para descobrir como fazê-lo.
– Encontre fóruns virtuais abordando situações semelhantes. Por exemplo, Sub-Reddits para pessoas em quarentena.
– Interaja com a natureza.
– Cheque notícias para evitar a disseminação de informações erradas.
O estresse econômico e a solidão são dois dos determinantes sociais mais importantes para saúde. Se você estiver em condições de contribuir financeiramente, considere fazer uma doações.
Se você estiver em condições de doar sua energia e tempo, entre em contato com vizinhos idosos para ver se você pode deixar suprimentos ou alimentos do lado de fora da porta. Considere iniciar um levantamento de fundos virtual entre seus amigos e familiares para arrecadar dinheiro para ONGs. Mantenha-se atualizado com contas de mídia social que compartilharão maneiras de apoiar aqueles em situações difíceis.
No mundo ocidental, nossa tendência é ver a resiliência como um conjunto de características individualistas, e não as capacidades e recursos combinados e diversos de uma comunidade. Está na hora de mudar isso. Apesar da necessidade de permanecer fisicamente separados, temos a oportunidade de ativar o tipo específico de resiliência coletiva que pode surgir quando confrontados com incerteza prolongada com potencial de trauma generalizado. Um poderoso antídoto para a solidão e o medo é ter objetivos. Pratique um mantra para esses tempos estranhos: estamos todos juntos nisso.
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