As empresas que têm responsabilidade ambiental, social e em governança corporativa são cada vez mais valorizadas pelo consumidor. As pessoas têm demonstrado que preferem comprar produtos e serviços de organizações que se envolvem com causas justas. Um estudo recente realizado pela McKinsey & Company mostrou que 85% dos consumidores brasileiros preferem comprar produtos sustentáveis; e 97% esperam que as marcas resolvam problemas de foro social.
Diante deste cenário, há uma enorme oportunidade de geração de valor, onde organizações dos mais variados segmentos – para além do crescimento econômico e bottom-line financeiro – almejam externalidades de impacto positivo na sociedade e no planeta.
Tecnologias exponenciais: inovação, impacto e escala
Existem 440 milhões de dispositivos digitais em uso no Brasil (computador, tablet, smartphone e notebook) – o que representa uma relação impressionante de dois devices por habitante. A convergência das forças de digitalização e democratização do acesso à internet resultam na explosão de dados.
É estimado que em 2022 mais de 70% do PIB mundial já tenha passado pelo processo de digitalização – a era do Big Data é avassaladora: no mundo são produzidos 2,5 quintilhões de bytes de dados todos os dias. Segundo a International Data Corporation (IDC), em 2021, o mercado global de Business Data Analytics movimentou mais de US$ 215 bilhões. O Brasil não é exceção, estima-se que até o fim deste ano, US$2,9 bilhões serão destinados a serviços e soluções de Big Data Analytics. Assim, a dependência da nuvem é uma imperativa tecnológica inegociável – o que, consequentemente, exige investimentos pesados em infraestrutura. Nomeadamente, entre outros, ganha relevância a transformação e evolução da rede atual de comunicação móvel de quarta para quinta geração – a expectativa é que até julho deste ano todas as capitais estaduais brasileiras já tenham acesso à tecnologia 5G. No mundo digital, consumidores e empresas terão nesta inovação um motor de crescimento e aceleração. Amanhã, operadoras de rede de telecomunicação, de Internet das Coisas (IoT) e data centers, para além de serem avaliadas na oferta de soluções de conectividade hyperscale seguras e de alta velocidade, serão progressivamente escrutinizados seus programas de responsabilidade social, corporativa e ambiental. Os mercados de consumo e investimento sofisticados mostram de forma consistente sinais de interesse em governança corporativa, valorização do meio ambiente e respectivos stakeholders. As empresas que mais se identificam com estas diretrizes e que já ministram programas de impacto real terão seus investimentos compensados com a preferência e a lealdade do mercado.
Os benefícios e o valor agregado do 5G são disruptivos e exponenciais – a inovação nos vários segmentos atrairá cada vez mais usuários – as soluções ganham escala o que, por sua vez, demandam mais infraestrutura. Embora um ponto de transmissão 5G seja mais eficiente no tocante ao consumo de energia versus seu precursor (4G), antecipa-se que os sistemas de quinta geração demandem mais pontos. Portanto, de acordo com o S&P Global Market Intelligence Report (2021), será necessário implantar novas antenas, aumentar o número de torres, e adaptar mais pontos e peças de mobiliário urbano para comunicação e transmissão. Estes fatores combinados com maior demanda e intensificação de geração de dados – segundo o relatório – apresenta o potencial de aumento significativo de consumo de energia; o que por sua vez aumenta também o índice de emissão de carbono e externalidade negativa ao meio ambiente. Salientando, que mais pontos de transmissão implicam mais componentes eletrônicos em utilização, inclusive baterias. E considerando que estas têm a vida útil relativamente curta – e que hoje temos dificuldades na logística reversa das mesmas – a ausência de compromissos regulatórios e politicas de descarte entre setores público e privado podem potencializar danos ambientais. Por conseguinte, as ações de operadores de rede de comunicação móvel e IoT, data center, plataformas e sistemas digitais de software devem ser guiadas pelo ESG.
Inteligência Artificial e Federated Machine Learning em aplicações Cloud, Fog e Edge Computing são exemplos de tecnologias exponenciais que já estão ao serviço da sociedade, permitindo o acesso à nuvem, aumentando capacidade de processamento de dados e tomada de decisão entre servidores e dispositivos (móveis e IoT).
Durante a pandemia, as atividades em home office e a digitalização de bens, produtos e serviços reduziram a pegada de carbono mundial – resultado alcançado pelo menor uso de transportes, equipamentos em escritórios e economia de energia. Um estudo realizado no Reino Unido pela consultoria Platform mostrou que se a jornada de trabalho fosse reduzida para quatro dias na semana sem perda de salário, haveria a queda de 21,3% da pegada de carbono – cerca de 127 milhões de toneladas/ano. Como referência, é mais do que toda a pegada de carbono da Suíça. Isso pode estimular empresas e governos a repensarem modelos, políticas e legislação, visando a obtenção de vantagens não só ambientais, mas também flexibilidade de trabalho e qualidade de vida para os colaboradores.
Dentro das empresas, o cuidar das pessoas é objeto de atuação do ESG. A preocupação social e a renovação de uma cultura operacional pautada em responsabilidade ética ganham prioridade. Questões como o bem estar mental dos profissionais conquistaram tamanha relevância que em janeiro deste ano a Síndrome de Burnout passou a ser incorporada à legislação brasileira e reconhecida como doença ocupacional.
As boas práticas de governança e a responsabilidade corporativa são colocadas à prova diante das medidas que norteiam a segurança cibernética. Os consumidores querem transparência sobre a privacidade de dados, conforme mostrou o levantamento feito pela consultoria Capterra, divulgado no ano passado, apontando que 67% dos brasileiros estão preocupados com a segurança digital.
Modelos de Inteligência Artificial treinados com dados sintéticos, no lugar de dados históricos e reais, aceleram os processos; no entanto, o ESG terá um papel essencial para que o aumento da velocidade não comprometa a integridade dos algoritmos de machine learning, quepara além de questões de privacidade das informações terão que expurgar vieses que envolvam temas de sensibilidade política, corporativa, individual e social. Diante desses desafios, empresas como Amazon, Google e Microsoft têm investido no desenvolvimento de tecnologias e métodos que priorizem governança nas empresas, sociedade e meio ambiente.
Processos de desenvolvimento industrial, automação, ciências de materiais, descoberta de novas matérias primas, logística e supply chain global vão se beneficiar de Inteligência Artificial, Digital Twins e Digital Thread. Estas inovações serão capazes de simular e validar o desenho de sistemas eficientes e assim produzir materiais de alto valor agregado, por vezes até com redução de custos. Estes produtos devem oferecer a possibilidade de serem re-engineered e adaptados a uma economia circular, dialogando com os quesitos de crescimento econômico sustentável.
Com o avanço tecnológico, em breve, a computação quântica será uma realidade comercial – representando uma revolução na otimização de trabalhos e solução de problemas de escala exponencial que o poder computacional de hoje não consegue resolver. A supremacia quântica de processamento e modelagem de dados é incomparável – o que acende o sinal de alerta quanto a questões de criptografia e segurança de dados pessoais e industriais. Os métodos atuais, considerados seguros e inquebráveis, podem se tornar vulneráveis. Certamente, a pauta ESG será uma ferramenta instrumental para que a computação quântica traga mais benefícios do que preocupações.
A democratização e a demonetização dos equipamentos eletrônicos no mundo industrializado, globalizado, com acesso à internet – tanto no mercado industrial como no varejo – precisam vir acompanhadas do ESG. Com o progresso do IoT, surge uma janela de oportunidade para quem tem programas transformadores que envolvam ambiente, sociedade e governança.
ESG: riscos e oportunidades
Existe uma grande tendência de que o ESG ganhe escala e se torne cada vez mais presente na vida das pessoas – e isso deve se manifestar tanto no ambiente corporativo como nas atividades sociais, políticas e econômicas. Apesar de haver enorme aderência por parte de consumidores e empresas, alguns pontos críticos não podem ser desprezados e colocam em risco o caminho crítico e o sucesso do ESG: Greenwashing, Greenflation e Slowbalization.
Greenwashing são projetos só de aparência que funcionam para serem citados em relatórios de investimento e divulgação de marketing, mas não valorizam o ecossistema, a cadeia, nem apoiam efetivamente o colaborador.
Greenflation significa inflação verde na tradução livre – é a inflação causada pela demanda de insumos, recursos, produtos e instrumentos que são usados na produção de energias renováveis. Dois grandes segmentos foram fortemente afetados pela greenflation recentemente no Brasil após episódios que fizeram com que a sociedade passasse a cobrar das empresas as responsabilidades com o ESG: as mineradoras por causa dos desastres em Mariana (2015) e em Brumadinho (2019), e as exploradoras de petróleo depois do vazamento de grande volume de óleo no oceano Atlântico em 2019.
Tanto a mineração quanto a exploração de petróleo são atividades que envolvem commodities essenciais para o desenvolvimento das cidades e da economia – que, por sua vez, estão se tornando cada vez mais dependentes de equipamentos elétricos – desde smart city sensors até carros – o que demanda consumo de energia. O desafio é ampliar a produção sem gerar inflação, já que o aumento dos preços das commodities faz os custos dos projetos de energia verde encarecerem. O Brasil é privilegiado porque tem uma matriz energética sustentável, mas esta não é a realidade de outros países, especialmente europeus. Uma das alternativas para evitar ou calibrar a greenflation conta com o apoio de atores de investimento a longo prazo e de instrumentos financeiros específicos tais como os Green & Sustainability Bonds – que oferecem Project Finance destinados ao segmento de infraestrutura verde, mas que em contrapartida exigem transparência e comprovação de realizações das ações ESG. O funding do green project funciona com checks & balances – ou seja, as empresas têm acesso a dinheiro inteligente para que os projetos ganhem escala dentro das boas práticas e consigam impactar positivamente o meio ambiente, oferecendo à sociedade um produto ou serviço de qualidade; nos preços de mercado e de forma competitiva e sustentável.
Slowbalization é o terceiro risco que ameaça a capacidade de escalabilidade do ESG no mundo – funciona como uma força contrária à globalização. Algumas nações têm se posicionado política e economicamente contrárias ao mercado global de trade priorizando o desenvolvimento local, prejudicando a competitividade e estimulando o nacionalismo – chegando até mesmo a ferir as regras da WTO – World Trade Organization, organização internacional que estipula as regras de comércio entre países. Até agora, as saídas dos blocos macroeconômicos e os casos de protecionismo são pequenos e isolados, mas existem. O ESG passa a ser ameaçado a partir do momento em que a competitividade diminui num determinado mercado e restam menos oportunidades, interoperação, interatividade e dependência de tecnologias ou plataformas de integração e diálogo. Por consequência, forças contrárias à globalização tendem a se afastar de acordos intergovernamentais e corporativos; o que pode desestimular as preocupações com governança e compliance, assim como as boas práticas envolvendo stakeholders e outras condutas que caracterizam o mercado liberal. A falta de incentivos corporativos e a inexistência de concorrência e competitividade tornam o consumidor menos exigente e sofisticado na medida em que desconhece opções que norteiem as suas escolhas. No caso do Brasil, o aumento dos impostos de importação funciona como recurso protecionista, favorecendo o mercado interno. No entanto, o país não se isola a ponto de ameaçar a liberdade econômica.
Para além da qualidade dos produtos e serviços ofertados cair, os projetos de impacto social também diminuem e a tendência é que as empresas fiquem menos sujeitas à governança, reduzam o acesso ao mercado de crédito de carbono e deixem de fazer os projetos de compensação.
Apesar desses cenários que oferecem riscos à aplicação dos valores ESG, há movimentos importantes que surgem como oportunidades para empresas que queiram de fato gerar impacto, construir uma história focada em governança e cuidados com a sociedade e o ambiente. Três fatores são especialmente relevantes: Crédito de carbono, Espaço e Fundos de investimentos.
Crédito de carbono é um produto que nasceu essencialmente vinculado ao zelo pelo meio ambiente – tanto para o agente industrial poluidor motivado pela responsabilidade ética, ambiental e corporativa que tira dinheiro do lucro para investir em medidas compensatórias que podem ser convertidas em crédito de carbono, ou a quem de fato gera o crédito de carbono reduzindo a emissão de poluentes (cap & trade). O interesse em usar esse mecanismo é motivado por uma filosofia alinhada ao ESG; o tema foi amplamente discutido na COP26 – Conferência Internacional do Clima realizada no fim do ano passado em Glasgow, na Escócia. Na ocasião, além da exigência de transparência nas informações entre setores público e privado, foram abordados a emissão de carbono, os protocolos de validação a serem seguidos, como deve funcionar a mitigação, e o processo referente à transação financeira de comercialização do crédito.
O accountability gerado no crédito de carbono depende dos valores ESG e precisa ser valorizado. Nem toda a empresa – dependendo do ramo de atividade – consegue adequar o processo produtivo de ponta a ponta às boas práticas e, nestes casos, o senso de responsabilidade a conduz a um sistema compensatório para que possa cumprir a missão de forma indireta.
ESGS é a sigla ESG acrescida do S de Space, uma tese minha chancelada pela Aerospace Corporation na qual defendo que (1) o maior de todos os global commons é o Espaço na medida em que há um potencial de renda universal incalculável; e (2) a exploração do Espaço com boas práticas de governança é obrigatoriamente um projeto coletivo humano.
Esta riqueza é a oportunidade necessária para alavancar e promover a abundância, o avanço e o crescimento civilizacional que precisamos. Como Space Expert, defendo que num momento em que a corrida espacial é cada vez mais liderada por empresas privadas e não por governos, se não houver governança no espaço, considerando-o como um ativo ou bem global, a humanidade perderá o maior patrimônio disponível. Só o 16 Psyche, asteroide localizado entre Marte e Júpiter, formado especialmente por metais como ferro, níquel, ouro e platina, tem valor estimado em 10 mil trilhões de dólares.
Esta é a última fronteira a ser vencida pelo ser humano. Sem ESGS, a humanidade estará abrindo mão da chance de resolver questões importantes como erradicar a pobreza, promover a mobilidade social, nivelar a aplicação de recursos financeiros e criar fundos de investimentos que por meio de medidas compensatórias solucionem os desafios aqui na Terra.
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Caso não haja comprometimento, a humanidade irá explorar o Espaço com a mesma mentalidade extrativista e mercantilista de outrora. Sem fortes práticas ESGS, destruiremos irreversivelmente outros mundos (ambientes, corpos celestes) em uma tentativa fútil de resolver o nosso.
Fundos de investimento desempenham um papel importantíssimo porque injetam recursos para viabilizar projetos de geração de valor vinculados ao ESG em detrimento da prática superficial de greenwashing. Os fundos de Private Equity como BlackRock; de Hedge Fund como Bridgewater; e de Venture Capital como Sequoia Capital proporcionam vantagem competitiva leal, com valorização dos stakeholders, boas práticas de gestão e governança além de estimular o envolvimento orgânico com temas sociais. Segundo o Green Economy Report 2019 da Morgan Stanley, há mais de US$50 trilhões disponíveis para financiar projetos inovadores que resolvam problemas grandes e que impactem o planeta e a vida de bilhões de pessoas.
ESG e a guerra
Ao que parece, o conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia não deve terminar tão cedo – as estratégias apresentadas no teatro de operações são características de uma guerra de atrição, ou seja, de exaustão. Pode-se considerar que esta é a primeira guerra ESG na medida em que já existe registro de empresas multinacionais atuantes no mercado russo que se posicionaram de acordo com seus ideais de governança em detrimento de interesses econômicos de seus investidores e shareholders.
Empresas e governos que mantêm relações comerciais com a Rússia farão uma escolha: permanecerão na Rússia, operando e honrando seus contratos; ou demonstrarão que não apoiam a guerra, optando por políticas de desinvestimento, se retirando, fechando fábricas e interrompendo vendas e negociações de produtos e serviços.
Ao adotar um dos lados, haverá consequências de forte impacto. As instituições que mantiveram as atividades comerciais com a Rússia passaram a ser vistas como párias – contra os princípios ESG. E assim lhes é cobrado posicionamento, essencialmente devido à mensagem transmitida pelas empresas que decidiram por suspender seus contratos, já que estas se retiraram do mercado russo, apoiadas por seus clientes, governos e acionistas. Este é o momento oportuno de seus executivos aumentarem o foco em ESG e fazerem uma minuciosa autoanálise, verificando se toda a cadeia produtiva e tese de investimento nos seus mercados de atuação é coerente com o recado dado ao mundo: posicionamento e defesa firmes da responsabilidade corporativa, social e de governança da empresa. Seja qual for a política adotada, as lideranças devem estar preparadas caso a guerra perdure por longo prazo.
Não faltam exemplos de organizações que já demonstraram suas intenções. A BP – British Petroleum – anunciou que venderá a participação da Rosneft (estatal russa) após 30 anos de atividades com quase 20% da empresa o que representaria uma baixa de US$25 bilhões em seu portfolio. O conselho da Shell também informou que pretende sair das joint-ventures com a Gazprom e todas as entidades relacionadas – inclusive encerrando o projeto do gasoduto Nord Stream 2. A ExxonMobil abandonou o projeto das Ilhas Sakhalinas; a norueguesa Equinor optou por deixar a Rússia; a GM anunciou que parou de exportar veículos para o país de Putin; a Delta Airlines suspendeu a parceria que existia via aliança global SkyTeam com a companhia aérea Aeroflot; Maersk e a MSC Cargo suspenderam as atividades e não levam mais contêineres aos portos russos – exceto de alimentos para ajuda humanitária. Cada uma dessas empresas tomou decisões que precisam se mostrar consistentes. Uma vez que investidores, acionistas e donos entenderam que o ESG é importante, elas passam a ter obrigação moral de serem coerentes internamente e checar todas as regras de governança – e investir na sociedade e no ambiente onde atuam. Caso contrário, elas apenas estarão prejudicando 145 milhões de russos que direta ou indiretamente se beneficiavam de produtos, serviços, empregos e que não deixam de ser vítimas das decisões políticas do governo de Vladimir Putin.
O ESG se torna uma questão complexa porque não podem existir posicionamentos controversos. McDonald’s, PepsiCo, Apple, L’Oréal e Zara também optaram por sair do país – fato que não causa estranheza, ao contrário, demonstra a força do ESG. O que resta saber é se elas conseguirão se manter longe desse mercado. Caso voltem, como argumentar/justificar a mudança de decisão? As tradicionais marcas de luxo nunca mais venderão bolsas francesas e relógios suíços para a Rússia?
A expectativa dos stakeholders na economia liberal moderna exige diariamente posições de empresas que até agora não se pronunciaram sobre as medidas de sanção econômico financeiras contra a Rússia. A guerra da Ucrânia é um evento Black Swan e o êxodo das empresas por empatia a valores ESG também pode ser considerado um evento Black Swan, mas este por sua vez, pode causar um Green Swan, pois enquanto as consequências para os russos são a perda de acesso a bens de consumo pós perestroika como Big Mac, outros países que perderão acesso a commodities e energia russa, terão que extrair/minerar eles mesmos ou adquirir os recursos a custos mais altos – gerando inflação ou retrocesso ao consumo de carvão – o que provoca problemas ambientais. A Alemanha, por exemplo, depende de gás natural. Como os alemães vão resolver este impasse? Outros países produtores de petróleo e gás não têm interesse em aumentar a produção porque o preço especulado e elevado os beneficia. O afastamento de hidrocarbonetos de procedência rússa – o terceiro maior produtor de petróleo do mundo – da trade internacional resultará em mais extração e desequilíbrios ambientais. Por isso, é possível considerar que um evento Black Swan destamagnitude poderáoriginar um Green Swan.
Para além dos impactos ambientais, os danos sociais são desastrosos, irreversíveis e inquestionáveis e reverberam para outros países. Cerca de 4 milhões de refugiados ucranianos (aproximadamente 10% da população) buscam abrigo na Europa e o custo para receber essas pessoas chegará a 30 bilhões de dólares por ano para a União Europeia.
Diante deste cenário já surgem empresas que saíram da neutralidade e usaram a tecnologia em prol do ESG. O Airbnb, por exemplo, auxiliou via plataforma mais de 100 mil refugiados a encontrarem um lugar para se abrigar, ao mesmo tempo em que Elon Musk ofereceu cobertura de internet para a Ucrânia via Starlink. Outra ação, triste, porém relevante, é a da americana, Clearview AI, que doou seu software e serviços ao governo Ucraniano para realizar o reconhecimento facial dos soldados russos mortos em combate e assim poder contatar suas famílias.
O capitalismo foi exitoso nas últimas décadas na compreensão do mercado, na produção e comercialização de produtos competitivos e geração de lucro. Para o século XXI, este modelo não é suficiente – o lucro continua a ser importantíssimo; no entanto, a empresa deve gerar valor com questões relacionadas ao ambiente, à sociedade e à governança. Em 1970, Milton Friedman, em artigo publicado no Jornal The New York Times, adiantou que “The Business of Business is Business” – hoje, mais de 50 anos depois, adicionaria às palavras de Friedman que “The Business of Business is Responsible Business”.
Peter Cabral é faculty da Singularity University, expert em Disrupção Corporativa, Social e Tecnológica; Mobilidade Urbana Digital; e Futuro das Cidades.