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Entrevista exclusiva: Bozoma Saint John e o fenômeno da liderança autêntica

por:

Caroline Verre

Caroline Verre

Considerada um dos principais ícones da indústria criativa mundial, Bozoma Saint John acumula passagens por empresas como PepsiCo, Apple Music & iTunes, Endeavor e Uber. À frente do marketing da Netflix desde 2020, ela vem incorporando um estilo original de liderança a uma das mais inovadoras marcas da atualidade.

Dona de uma estilo marcante, “Boz”, como é conhecida, tem inspirado modelos de gestão mais autorais em organizações e escolas de negócio do mundo inteiro. A professora de MBA da Harvard Business School, Frances Frei, por exemplo, passou a usar sua carreira como estudo de caso no programa “Leading Difference for High Performance”.

Um dos destaques da última edição da HSM Expo Now!, onde participou de um painel sobre o futuro das marcas comandado por Nizan Guanaes (veja a versão editada neste link), Bozoma concedeu uma entrevista exclusiva ao blog da HSM sobre carreira, autoridade e liderança.

A conversa faz parte da série Futuro Feminino, que reunirá entrevistas e conteúdos com mulheres que estão apontando novos caminhos para as empresas, o meio-ambiente e a sociedade.

Ao longo da sua trajetória como executiva de marketing e publicidade, você conquistou excepcional reputação de pioneirismo. Na sua visão, como um profissional pode aplicar assinatura à própria carreira?

Bozoma – Eu acho que carreira é uma coisa muito própria, algo como as folhas de uma árvore; não existem duas idênticas. E eu nos vejo muito dessa maneira, como indivíduos realmente. Não dá para mapear seu caminho de acordo com a forma com que outras pessoas traçaram suas trajetórias.

Falando sobre minha própria individualidade, em como me comporto no ambiente de trabalho, posso dizer que sou alguém que acredita fortemente ser a única pessoa capaz de fazer o que faz no cargo que ocupa. E eu gostaria que mais de nós pudéssemos reconhecer isso, o fato de que não há como todos termos vivido a mesma vida – nem mesmo gêmeos idênticos partilham da mesma vida!

Se aplicarmos mais das nossas características individuais no trabalho podemos fazer coisas incríveis, inovadoras e satisfatórias, porque estaremos investindo as características únicas da nossa própria jornada nisso. E isso não se limita ao mundo profissional, também se refere às pessoas com quem você interage e trabalha. Levar nosso verdadeiro “eu” ao ambiente de trabalho nos prepara para viver melhor e também para ter conexões mais profundas com nossos colegas.

Os alto executivos de grandes empresas costumam passar por um filtro de “despersonalização” para que suas personalidades não se sobressaiam aos seus cargos. E você é um dos expoentes contrários à essa prática, vestindo roupas de tons vibrantes, penteados deslumbrantes, sem sucumbir às convenções. O que você acha que falta para que mais mulheres, e até mesmo homens, desfrutem dessa liberdade?

Bozoma – É uma boa pergunta! Eu, claramente, quebro as convenções não só com minhas roupas, batons, unhas, mas com os pensamentos que trago comigo a diferentes lugares. Realmente nunca me enxerguei em nenhum dos líderes que vi antes.

Sei que isso soa irônico e contra intuitivo, mas ao me dizerem: “todos que foram bem-sucedidos antes de você se vestiam dessa maneira e se portavam dessa outra maneira, então você precisa fazer isso para chegar lá!”, eu percebi que aquelas pessoas não se assemelhavam comigo em nada. E essa percepção me libertou para ser quem realmente sou, até porque eu não conseguiria fingir ser quem os outros são, de qualquer maneira.

Essa “modelagem da liderança” ocorre em todos os níveis. E isso é algo que todos nós, enquanto líderes, deveríamos nos atentar. Não se trata de acordar um dia e decidir ser autêntico, é algo feito no dia a dia, dando as caras, tendo coragem e colocando um pouco de nós mesmos em todo trabalho que fazemos. Cada uma de nossas histórias importam, cada pequeno acontecimento que vivemos importa. É uma esperança minha que mais líderes surjam totalmente como si mesmos, permitindo que mais pessoas façam o mesmo dentro dos seus espaços de atuação.

Há uma entrevista em que você compartilha uma passagem da sua biografia contando que, quando sua família chegou ao Colorado, sua mãe fazia questão de receber as visitas com hot pepper soup, um prato típico de Gana. E ela justificava isso dizendo que não há nenhum lugar ou situação que você deva sentir que não pode trazer a sua origem, a sua história, os seus costumes. Quais práticas de gestão podem fazer com que mais profissionais sintam que suas bagagens culturais e de repertório sejam contemplados e apreciados?

Bozoma – Todos nós fomos criados para sentir que precisamos de ajustes, que precisamos nos moldar. Como se um standard tivesse sido definido e ninguém pudesse fugir muito daquilo para se tornar bem sucedido. E acho que muitos de nós, vindos das mais diversas situações, não reconhecemos o poder e a força das nossas experiências.

Para mim, aos 12 anos, ver minha mãe forçando um prato típico de Gana para meus amigos, foi algo marcante e que assimilei como uma lição do quão importante é eu ser quem realmente sou, não me esconder atrás de ninguém ou me modificar para me sentir aceita. Também foi uma ótima maneira de compreender que há pessoas para mim e há pessoas que não são para mim. Se a pessoa pode realmente se identificar com você, te aceitar pelas partes que você apresenta de si, ótimo, permaneça por perto. Agora, se ela não consegue, se afaste. Porque se você escolher fingir ser algo que não é, ninguém te conhecerá verdadeiramente e isso te deixará, além de infeliz, sem sucesso. Prefiro causar desagrado por quem sou, que agradar por que não sou.

Você participa de esforços filantrópicos como a “Pencils of Promise”, em Gana e integra os conselhos do “Girls Who Code” e “Vital Voices”. Como o contato com a parte mais vulnerável da sociedade impactou sua visão de mundo e, mais especificamente, sua visão de gestora?

Bozoma – Para mim a pauta feminina e de empoderamento estão no centro de tudo o que quero fazer na minha vida e para o mundo, especialmente no que se refere à meninas e mulheres pretas. Faço questão de me certificar que as mulheres estejam tendo oportunidades. Igualdade é um assunto pelo qual sou apaixonada e acredito que se começarmos cedo a ensinar às crianças que elas possuem um poder inerente que deve ser desenvolvido, a próxima geração se tornará ainda mais poderosa.

Tenho a expectativa de ver minha própria filha, que agora tem 11 anos, crescer e se tornar maior que eu mesma sou hoje – não necessariamente em marketing, mas no que ela escolher. Mas espero que as experiências que ela teve permitam que ela perceba o próprio valor e que deve se contentar com nada menor que isso.

Durante sua participação no SXSW de 2019, você disse: “A verdade é que na grande maioria do tempo as pessoas estão se esforçando para se encaixar ao invés de se diferenciar”. Na hora de montar uma equipe, como você identifica profissionais com características diferenciadas?

Bozoma – Me considero uma pessoa extremamente curiosa. Eu gosto de pessoas, de conhecer mais sobre elas, entender o que faz elas vibrarem, quais suas histórias. Provavelmente vem daí eu ser uma marketeira! Quero entender o que faz as pessoas fazerem o que elas querem fazer. E isso se estende à minha equipe.

Estou sempre muito curiosa sobre a história de vida das pessoas, e se elas podem contribuir com um pouco de suas biografias na perspectiva do trabalho que fazemos. Então, eu encorajo isso, saber a jornada das pessoas. Quero integrantes de todo tipo de caminho na vida, com diferentes vivências, opinando no trabalho que faço. É isso que enriquece as entregas.

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