Você sabia que um terço de toda comida produzida no mundo é desperdiçada todos os anos? Pior: que esta quantidade poderá crescer mais de 30% até 2030, como indica o estudo do Boston Consulting Group? Se nada for feito, impressionantes 2,1 bilhões de toneladas irão para o lixo ou, pasmem, 66 toneladas por segundo.
Mudar esta realidade é o propósito da Imperfect Produce, clube de assinatura que entrega periodicamente aos clientes uma caixa contendo alimentos considerados “cosmeticamente imperfeitos” para serem vendidos nas gôndolas dos supermercados. A economia para o consumidor pode chegar a 30% na comparação com as compras feitas no varejo. O valor mensal da assinatura varia de US$ 11 a US$ 25, dependendo do peso da caixa.
A startup de San Francisco é apenas um dos muitos exemplos de um modelo em exponencial expansão desde que os jornais passaram a ser entregues em casa por um custo mensal mais vantajoso do que comprar um exemplar nas bancas todos os dias.
Aqui no Brasil, o mercado leva o nome de “Economia da Recorrência”. Mas pode chamar também de “Subscription Economy”, definição atribuída a Zuora, fornecedora de software para serviços de assinatura, para um formato que está mudando a maneira como consumimos de tudo: de vinhos e cervejas a alimentos orgânicos; de filmes e séries a acessórios de moda e cosméticos.
O setor de entretenimento é um dos que vêm puxando a tendência. Um estudo da Motion Picture Association of America (MPAA), divulgado recentemente, destacou que as assinaturas de streaming cresceram 27% no ano passado em relação a 2017 e ultrapassaram pela primeira vez as de TV a cabo, que registraram queda de 2%.
Para concorrer com a Netflix, a Apple acaba de lançar seu serviço de streaming, o Apple TV+. E analistas já apostam que o próximo passo será comprar a própria Netflix, o que seria um caminho para superar as dificuldades que vem enfrentando com a queda das vendas do iPhone. A Google, por sua vez, também colocou no ar, há poucos dias, o Stadia, que levará os jogos online ao modelo de streaming ainda não praticado pela indústria de games.
A mudança de um modelo de pagamento por produto para um modelo de assinatura é um fenômeno que caiu no gosto do consumidor. De acordo com estudo da McKinsey & Co., este mercado cresceu mais de 100% ao ano entre 2011 e 2016, elevando o faturamento das empresas que praticam este sistema de vendas de US$ 57 milhões para US$ 2,6 bilhões neste período de 5 anos.
E a adesão segue crescente: 15% dos consumidores americanos são assinantes de 1 ou mais serviços; 46% pagam de forma recorrente um serviço de streaming. As mulheres representam 60% das assinantes, mas os homens, provavelmente por conveniência, são mais propensos a assinar pelo menos 3 ou mais serviços.
Segundo o levantamento, os 5 serviços mais populares nos Estados Unidos são: Amazon Subscribe & Save, que oferece milhares de produtos com descontos de até 20%; Dollar Shave Club, pioneira em produtos de higiene para homens, comprada pela Unilever por US$ 1 bilhão; Ipsy, de produtos de beleza para mulheres; Blue Apron, que envia ingredientes e receitas para preparar refeições em casa; e Birchbox, também de cosméticos.
Só mais dois números: nada menos que um terço (!) dos americanos são assinantes da Amazon Prime, segundo estudo do Census Bureau e, ainda segundo a McKinsey & Co., metade dos consumidores são clientes de algum serviço.
Esta é minha definição do serviço Amazon Prime: “você paga para receber algo que AINDA não pediu”. Reflita por um momento e me diga se o conceito não é disruptivo e genial?! O efeito de pagar por algo que AINDA não pediu gera o impulso de consumo que representa mais que o dobro das compras de um consumidor não assinante do serviço da Amazon (US$ 1400 contra US$ 600, conforme mostra o gráfico abaixo).
Não parece um mau negócio, não é mesmo?
A tendência tem uma explicação que está claramente relacionada com o comportamento de consumo das novas gerações. Os jovens estão preferindo usufruir de produtos e serviços temporariamente ao invés de se tornar proprietários de forma permanente. A sensação de posse já não é mais o sonho de consumo, mas sim usar “as a service”.
“É uma nova forma de pensar os negócios. Você precisa saber quantos consumidores consegue atender, adquirir, reter e quanto pode faturar com cada um deles. Precisa ter estas informações com clareza e em tempo real. Mais do que colocar o foco do negócio no produto ou na transação, as empresas da ‘subscription economy’ vivem e morrem por conta da capacidade de servir aos clientes ao longo do tempo. Precificar e embalar nunca foi tão importante. Segundo a Economist, 80% das companhias estão vendo uma mudança em como seus clientes querem acessar e pagar por produtos e serviços e 50% destas mesmas empresas estão mudando seus modelos de precificação”, pontuou em entrevista Tien Tzuo, CEO da Zuora.
Em outras palavras, a “Economia da Recorrência” está umbilicalmente ligada com a Economia baseada em Dados. Quanto mais uma empresa conhece seu cliente, mais ela tem condições de se relacionar com ele por toda a vida.
A Apple sabe que os maníacos pela marca querem sempre ter no bolso a última versão do iPhone e criou o “UpGrade Program”, que garante um aparelho novo todos os anos por uma mensalidade a partir de US$ 37. Ao invés de comprar um carro zero todos os anos, a Unidas oferece o serviço “Unidas Livre” que disponibiliza um automóvel novinho em folha por um plano anual que inclui IPVA e todos os demais impostos, a documentação, seguro e manutenção. A locadora sabe que, no final do dia, o que seu cliente quer é estar sempre circulando com o último modelo.
A General Motors entendeu que o mundo está mudando e lançou a Maven, inicialmente uma locadora de carros, mas que recentemente passou a oferecer também um app para competir com empresas como Uber, Lyft e Cabify, permitindo que os proprietários de veículos GM se tornem motoristas do seu serviço de transporte. A alemã não é mais somente uma montadora. Ela é agora uma empresa de serviços.
Agora feche os olhos e pense em um futuro próximo no qual a mesma GM irá produzir em larga escala seus veículos elétricos autônomos. Você está em casa, no escritório, em qualquer lugar, pega seu smartphone, abre seu aplicativo e chama um carro para te levar onde quiser. O automóvel, que está em circulação ou estacionado no pátio da montadora, chega rapidamente, você escolhe se quer dirigir ou vai deixar a tarefa para o sistema de Inteligência Artificial e pronto. É só desfrutar da sua viagem.
Quando este futuro chegar, o que será do Uber e demais empresas de aplicativo? O que será da Hertz, da Localiza, da Unidas? Por que você continuará precisando do serviço destas empresas? De duas, uma: ou elas irão se unir às montadoras ou elas irão morrer.
A GM tem excelentes motivos para pensar em novos modelos de negócios que irão muito além da fabricação de veículos. Outra pesquisa da McKinsey sobre a indústria automotiva mostrou que entre 2000 e 2013, o índice de jovens nos Estados Unidos com faixa etária de 16 a 24 anos que têm carteira de motorista caiu 76%, enquanto o número de usuários de serviços de compartilhamento de veículos cresceu 30% ao ano entre 2010 e 2015.
“Até 2025, não haverá mais proprietários de carros na maioria das cidades americanas e a maior parte das nossas viagens será feita em carros autônomos. Você terá as melhores opções de transporte com um plano que funciona para você”, escreveu em artigo o presidente e cofundador da Lyft, John Zimmer.
Se seu cliente enxergar valor na sua oferta, há uma boa chance de não hesitar em se tornar um assinante. Uma pesquisa do Waterstone Group mostrou que os consumidores nem mesmo sabem o quanto exatamente gastam com serviços de assinatura mensalmente.
Vale observar também que eles preferem os serviços que surpreendem fazendo a curadoria de produtos e enviando algo que nem mesmo sabem que irão receber – 55% dos assinantes americanos são adeptos desta modalidade, indicou a McKinsey.
Se você pensa em direcionar seu negócio para a economia da recorrência, anote as 3 recomendações de Tien Tzuo:
1)Oriente todos os seus dados para conhecer tudo sobre seu assinante;
2)Foque na experiência do assinante; e
3)Lembre-se que assinaturas são relacionamentos de duas mãos, ou seja, é preciso haver uma clara vantagem para construir com o consumidor um relacionamento de longo prazo.
E no Brasil?
Por aqui, de acordo com a ABCOMM (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), temos mais de 800 clubes de assinatura, registrando um crescimento de 167% desde 2014, ano em que havia 300 serviços.
Omarson Costa é formado em Análise de Sistemas e Marketing, tem MBA e especialização em Direito em Telecomunicações. Em sua carreira, registra passagens em empresas de telecom, meios de pagamento e Internet. Mais informações: omarson.com.br