Com a pandemia do coronavírus, a maioria das empresas teve que reformular o modo como trabalha no dia a dia, para funcionar num regime de distanciamento físico. Antes da pandemia, mais de 60% das empresas brasileiras não tinham um programa de trabalho remoto. Dentro desta maioria, muitas tinham dúvidas se o trabalho remoto funcionava, ou se estavam preparados estruturalmente para seguir com esse modelo. Foram obrigadas a avançar muitos passos em poucos dias, enfrentando mudanças drásticas nos modos de se conectar com a equipe, na gestão dos próprios horários e na organização de trabalhar em lugares novos e distribuídos, como as próprias casas dos colaboradores. Aprendemos muito neste período. Tenho notado, em quase todos os executivos com quem eu falo, uma vontade grande de absorver os aprendizados da pandemia para modernizar ainda mais o jeito de trabalhar, acelerando a chegada do tão falado “futuro do trabalho”. Muitos de nós começaremos a voltar para o escritório nas próximas semanas e meses, no entanto, não voltaremos para o mundo de trabalho como era antes.
Depois de várias semanas de quarentena, nos tornamos “especialistas” em trabalho remoto. Mas quais são as outras modernizações no jeito de trabalhar que a crise está acelerando? Para responder a essa pergunta, é importante analisar a maior revolução no mercado de trabalho das últimas décadas, que também nos trouxe à primeira onda de trabalho remoto: a chegada da economia sob demanda. Nos Estados Unidos (de onde temos dados um pouco mais robustos), a economia sob demanda nasceu depois da crise financeira de 2008-09 e tem crescido por volta de 50% ao ano, se tornando um dos elementos mais fundamentais da economia americana. Segundo pesquisas feitas por acadêmicos de Princeton e Harvard, estima-se que a economia sob demanda ,junto com outras formas de “trabalho alternativo”, foi essencialmente responsável por todos os novos postos de trabalho nos Estados Unidos entre 2005 e 2015.
O crescimento exponencial do setor sob demanda se deve não apenas aos serviços novos oferecidos aos consumidores, como o transporte sob demanda, mas também às formas diferentes de trabalhar, que trazem vantagens reais para os trabalhadores. Para mim, além do trabalho remoto, o melhor exemplo disso é o pagamento instantâneo ao trabalhador, o que está sendo trazido às empresas mais tradicionais na forma de produtos de “salário sob demanda”.
O salário sob demanda é um conceito muito simples que, assim como o trabalho remoto, tem ligação direta com a chegada da economia sob demanda. Ele permite que o trabalhador tenha acesso instantâneo à parte performada do seu salário, através de um aplicativo. Por volta de 5 anos atrás, o benefício começou a penetrar a economia mais tradicional nos Estados Unidos, onde hoje já é comum. Um ótimo exemplo disso é o Walmart,maior empregador no setor privado americano, que não apenas oferece serviços de salário sob demanda para seus funcionários, como também subsidia o uso.
As vantagens são múltiplas, para o trabalhador e para a empresa. Conseguir chegar ao fim do mês sem se endividar com produtos caros de crédito e entender melhor seus ganhos e gastos diário, criando hábitos financeiros mais saudáveis, são algumas delas para o trabalhador. Para as empresas, pesquisas já revelam funcionários mais engajados e com menos absenteísmo, além de trazer vantagens financeiras para a própria empresa, uma vez que o produto pode financiar as folhas de pagamento durante o período de crise.
Estamos ainda passando por um momento muito difícil, delicado e cheio de incertezas. Para as milhões de pessoas afetadas diretamente o enorme custo humano desta pandemia nunca será recompensado. E, como vimos com a chegada da economia sob demanda depois da crise de 2008-09, estes momentos de crise são também momentos de aceleração de mudança. Hoje já somos “especialistas” em trabalho remoto. Tenho certeza que o nosso foco adicional em maneiras mais modernas de trabalho vai acelerar a penetração destes elementos (como o salário sob demanda!) que fazem parte do “futuro do trabalho”.
John Delaney é COO da Xerpa. Advogado de formação, atuou como investidor anjo em empresas como a 99 e Printi. Durante sua trajetória, trabalhou no escritório de direito internacional Cleary Gottlieb, em Nova York, com negócios inovadores com investimentos estruturados de crédito no Nubank.