Mais e mais pessoas ao redor do mundo estão começando a reconhecer o papel do setor privado e, mais especificamente, dos investimentos em inovação, na criação da prosperidade em países pobres. Em outubro de 2017, o Banco Mundial, a mais atuante instituição de apoio ao desenvolvimento econômico do mundo, publicou um relatório chamado O Paradoxo da Inovação, enfatizando a importância da inovação e do setor privado no desenvolvimento econômico. O relatório destacou que “igualar a política de inovação à política de ciência e tecnologia de ponta levará à frustração e ao desperdício se o papel das empresas for negligenciado. . . sem um grupo de empresas capazes de levar essas ideias ao mercado, esses investimentos terão pouco retorno em termos de crescimento.” Em tese, podemos continuar a investir massivamente em pesquisa e ciência, mas se não tivermos empresas para criar novos mercados, provavelmente não veremos o efeito na geração de prosperidade em países pobres e emergentes. Porém, criar esses mercados é difícil e demanda capital.
Instrumentos de investimento, incluindo fundos de private equity e venture capital, estão direcionando, mais do que nunca, capital para economias emergentes. O fluxo de private equity para esses mercados mais que quintuplicou, de 93 bilhões de dólares em 2006 para 564 bilhões em 2016. Da mesma forma, fundos de venture capital, responsáveis pelo crescimento de empresas como Apple e Hewlett-Packard, estão sempre à procura de empresas que possam repetir o sucesso de IPO do Google e Facebook, mesmo em países mais pobres. Mas, infelizmente, as oportunidades desse tipo não são suficientes nessas regiões. Isso porque esses investimentos costumam ser modelados com base em fundos criados com foco em países desenvolvidos e prósperos. Como consequência, eles se restringem a olhar para oportunidades de investimento num horizonte de cinco a sete anos, com critérios muito específicos sobre o retorno financeiro.
Essas expectativas de retorno são compreensíveis em países ricos, uma vez que os negócios se conectam em infraestruturas existentes desde o começo, o que permite retornos sobre investimentos no curto prazo. Já o capital investido em países mais pobres, – com instituições, infraestrutura e mercado de capital menos desenvolvidos – tem pouca ou nenhuma saída a não ser esperar que essas nações, aos poucos, construam os sistemas que vão dar suporte a futuros investimentos.
Uma vez que as empresas são frequentemente as principais responsáveis por criar novos mercados, com potencial de impulsionar investimentos para países pobres (estradas, ferrovias, escolas, regulação, etc.), o horizonte tradicional de investimento de 5 anos não irá funcionar nessas economias. É aí que o investimento de impacto, adequadamente chamado de “capital paciente”, pode desempenhar um papel central.
De acordo com a Global Impact Investing Network (GIIN), “investimentos de impacto são investimentos em companhias, organizações e fundos com a intenção de gerar impacto social e ambiental juntamente com o retorno financeiro. Investimentos de impacto podem ser realizados em mercados emergentes ou desenvolvidos e visam uma faixa de retorno que pode variar de taxas abaixo das de mercado até taxas praticadas, dependendo dos “objetivos estratégicos do investidor”. Em tese, o investimento de impacto tem o potencial de preencher uma lacuna não atendida que o investimento tradicional não consegue ou não está disposto a suprir. Apesar de o mercado global de investimentos de impacto ainda ser pequeno em comparação às dezenas de trilhões de ativos em todo o mundo, o setor continua a crescer. No relatório do GIIN de 2017, a quantidade de ativos de investidores de impacto chegou a US$114 bilhões.
Investindo em impacto na saúde brasileira
O setor global de investimento de impacto pode ainda ser pequeno em comparação com os investimentos tradicionais, porém eles servem com “novas lentes” que ajudam investidores a ver oportunidades que normalmente são ignoradas. Como exemplo, considere os investimentos da LGT Impact Ventures no Dr. Consulta, uma rede de clínicas de saúde no Brasil. Mais da metade dos 200 milhões de brasileiros não têm acesso a serviços de saúde de qualidade e por isso, utilizam o serviço público de saúde, que é em alguns casos ineficiente e, muitas vezes, subfinanciado. Para ajudar a mitigar essa disparidade, a LGT Impact Ventures investiu 10 milhões de dólares no Dr. Consulta em 2014.
Para entender o investimento da LGT e a razão pela qual essa oportunidade poderia parecer pouco atrativa para um investidor tradicional, considere que o Dr. Consulta oferece serviços para a base da pirâmide econômica. Além disso, aproximadamente 30% dos municípios brasileiros não têm hospitais e 1/4 não têm médicos. Isso significa que o Dr. Consulta não poderia simplesmente se ligar a um sistema existente para melhorá-lo. A empresa teve que criá-lo.
Hoje, o Dr. Consulta emprega mais de 1300 médicos e trata mais de 100 mil pacientes por mês. Desde a sua fundação, sua estrutura cresceu 300% ano após ano. A rede de clínicas é tão eficiente que consegue oferecer serviços como ressonâncias magnéticas, exames de sangue e mamografias a um custo acessível para a média dos brasileiros. Desde que recebeu o investimento da LGT, a empresa se expandiu e opera 50 clínicas na cidade de São Paulo. O crescimento do Dr. Consulta, majoritariamente financiado por investimentos de impacto, agora poderá ser capaz de atrair os investimentos de firmas tradicionais.
Uma vez que o acesso ao capital é uma das maiores dificuldades do empreendedor de países pobres e em desenvolvimento, os investimentos de impacto têm um papel fundamental para destravar oportunidades viáveis, que de outra forma seriam perdidas pelos investidores tradicionais.
Efosa Ojomo é pesquisador sênior do Instituto Christensen e co-autor de “O paradoxo da prosperidade: como a inovação pode tirar nações da pobreza”. Efosa pesquisa, escreve e fala sobre maneiras pelas quais a inovação pode transformar as organizações e criar prosperidade inclusiva para muitos em mercados emergentes.
Texto original publicado no blog do Clayton Christensen Institute, think tank sem fins lucrativos e apartidário dedicado a melhorar o mundo por meio da inovação disruptiva.