Sempre fui muito inquieto. Nunca me conformei com as coisas como elas são. Até hoje tenho esta “síndrome” de querer mudar o mundo e transformar sonhos em realidade. Nasci em uma família muito simples, mas ao mesmo tempo, muito unida e feliz. Meus pais sempre lutaram muito para proporcionar uma vida melhor a todos e hoje agradeço por não ter nascido em “berço de ouro”.
Tenho certeza que foram as dificuldades que enfrentei na infância que me trouxeram até onde estou, me fizeram ser resiliente, focado e jamais desistir das minhas metas. Hoje, repassando as páginas da minha vida, lembrei de um episódio que, certamente, sem que eu percebesse naquela época, revelaram ensinamentos que me ajudaram, e muito, a dar os primeiros passos na minha jornada profissional.
Morávamos na periferia da Zona Norte de São Paulo e frequentávamos a Paróquia Nossa Senhora das Neves, na Vila Gustavo, uma igrejinha humilde, mas que tinha uma comunidade muito forte e participativa. O prédio estava precisando de uma boa reforma e o padre Lorenzo, um italiano muito severo, mas muito justo, nos envolveu no sonho de levantar uma nova paróquia, já que a antiga era de madeira e queríamos uma de alvenaria, mais confortável e bonita.
Padre Lorenzo, já falecido, e Irmã Georgina, ainda gozando de plena saúde, se juntaram e nos lançaram o desafio: vamos organizar a festa do sorvete e reverter o lucro para tocar as obras da nova igreja!
Eu tinha 14 anos, era um adolescente ainda inexperiente, mas cheio de energia, e talvez aquela tenha sido a primeira vez que entendi o significado da palavra motivação. Montamos um time de jovens entre 12 e 15 anos e o padre me incumbiu de liderar parte da festa. Eu não fazia ideia do que era empreender. Nem do quanto teríamos que nos unir e trabalhar em equipe para organizar, estruturar um planejamento e trabalhar para fazer acontecer.
Recordar tudo que fizemos para realizar o sonho do Padre Lorenzo me fez pensar o quanto todos nós, mesmo sem ainda ter muita vivência, somos empreendedores natos. E que construir um negócio e uma carreira demanda muito estudo e horas de mão na massa, mas não se chega a lugar algum sem propósito e sem uma equipe com sangue nos olhos.
O nosso propósito era construir uma igreja nova. E nossa equipe estava fortalecida em torno deste objetivo. Decidimos que não descansaríamos enquanto não víssemos a nova paróquia de pé.
Arregaçamos as mangas e fomos em frente com a cara (dura) e a coragem. Não tínhamos muita noção do que era marketing, mas sabíamos que precisávamos imprimir um convite bem bonito, alegre e sedutor para convocar a comunidade a comparecer na festa e tomar muito sorvete. Assim, planejamos e criamos nossa propaganda.
Levantamos uma lista de fornecedores para conseguir um sorvete de qualidade com o melhor custo-benefício. Sabíamos que a conta precisava fechar e que tínhamos que ganhar mais dinheiro do que o que estávamos investindo para chegarmos ao lucro que precisávamos para erguer a igreja. E entendemos o que era negociação, matéria-prima, capital inicial, fluxo de caixa, gestão de estoques e liquidez.
Para garantirmos um ROI satisfatório (com certeza eu não sabia o que era ROI), vendemos o ingresso a preço único que dava direito a tomar quantos sorvetes quisessem (um sistema “all inclusive”, como o dos resorts).
Desenhada a estratégia de precificação, fomos atrás do fornecedor de uma taça diferente, que deixasse o produto mais elegante e gerasse o desejo irresistível de consumir nosso sorvete. Com certeza não sabíamos o que era design de produto e o quanto a embalagem, a logomarca, as cores e outros atributos da marca podem fazer qualquer um salivar.
Padre Lorenzo sabia mesmo identificar talentos e colocar as pessoas certas nos lugares certos. Cada um ali tinha uma função – cuidar do marketing, do setor de compras, das vendas e atendimento ao cliente (atribuição assumida por minha esposa, que na época era minha namorada – sim, casei com minha namorada da adolescência). Com ele, aprendemos como é importante e decisivo na nossa jornada profissional saber se relacionar, compartilhar, dialogar, escutar, entender o outro para conquistar seu time e motivar todos a dar as mãos em torno de um mesmo sonho.
Aos 14 anos, eu sonhava viajar e conhecer o mundo. Mas antes, precisava ralar muito para aprender e construir minha bagagem profissional. Nem nos meus sonhos mais distantes eu imaginaria que a festa do sorvete da minha igreja um dia me levaria à Vice-Presidência do McDonald’s no Brasil, uma das maiores redes globais de fast food. Uma gigante que todos os dias vende toneladas de sorvete em milhares de cidades do mundo e que me levou, vejam só, a pisar em ao menos um país de cada continente.
Com o dinheiro que levantamos na festa do sorvete, ajudamos a construir a nova paróquia que, até hoje, recebe a comunidade da Vila Gustavo. Padre Lorenzo e a Irmã Georgina nos ensinaram o que é sonhar. E que quem não sonha, vive um pesadelo: o de não saber qual é a dor e a delícia de vencer.
Dorival Oliveira Vice-Presidente de Desenvolvimento do McDonald’s Brasil e um eterno sonhador.