Os países da América Latina e do Caribe (ALC) fornecem excelentes exemplos de como os governos podem fazer uso estratégico do contexto de transições complexas de energia limpa. Este relatório, criado pela Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) resume os exemplos apresentados ao longo da série de webinars “Long-Term Energy Scenarios (LTES) for Developing National Clean Energy Transition Plans in Latin America”.
Esses são os destaques do documento:
- A região da ALC está desenvolvendo cenários energéticos com um escopo mais amplo que vai além dos critérios tecnoeconômicos. Cada vez mais, incorporam fatores sociais e ambientais, particularmente em relação às mudanças climáticas, qualidade de vida e inclusão social. O nível de ambição está subindo nessas áreas, e vários países da região já avaliaram cenários de carbono neutro ou de descarbonização profunda.
- Vários governos da ALC estão desenvolvendo cenários energéticos cada vez mais integrados e de longo prazo vinculados a suas metas climáticas. A análise integrada foi possibilitada pela introdução de ferramentas mais complexas que modelam simultaneamente todos os subsetores de energia (eletricidade, petróleo e gás, biocombustíveis, eficiência energética) com setores não energéticos. Esses cenários de longo prazo orientaram o desenvolvimento de planos, estratégias, roteiros e agendas de médio e longo prazo e são consistentes com a política e os objetivos climáticos. Os países da região fizeram progressos significativos na compreensão dos vínculos entre o setor de energia e outros setores, como educação, habitação, saúde, água, qualidade do ar e transporte.
- Há uma ênfase crescente no desenvolvimento de cenários participativos como parte dos processos de planejamento energético na região da ALC. Em muitos países da região, os processos de planejamento são realizados com frequência e buscam construir um consenso sobre uma visão de longo prazo por meio do diálogo com todos os atores do setor, promovendo a descentralização geográfica e institucional. A governança eficaz do processo de planejamento energético é crucial para capacitar a comunidade.
- Os cenários de longo prazo analisados pelos países da ALC baseiam-se cada vez mais em uma maior participação de energias renováveis em sua matriz energética e em um consumo de energia mais eficiente. Os países da região estão promovendo a expansão de projetos de geração de energia a partir de fontes renováveis de energia, especialmente hidrelétricas, energia solar fotovoltaica (PV) e energia eólica, bem como outras fontes menos comuns, como geotérmica, biogás e energia solar térmica, e opções de armazenamento térmico e elétrico. Alguns países estão incluindo hidrogênio, captura e armazenamento de carbono e biocombustíveis avançados em seus cenários. Finalmente, vários países estão enfatizando a eficiência energética em setores de uso final, incluindo opções de eletromobilidade.
- Dados e estatísticas de energia transparentes são cruciais para o desenvolvimento de cenários mais confiáveis. Os resultados desses cenários podem então ser usados para formular políticas energéticas consistentes. Plataformas digitais modernas e sistemas de informação acessíveis ao público promovem transparência no processo de desenvolvimento de cenários para planejamento energético. Por sua vez, isso ajuda a construir a confiança do público e capacitar a comunidade.
- O apoio oferecido por meio da cooperação internacional tem sido crucial para permitir que muitos países da ALC desenvolvam cenários energéticos para o planejamento energético de médio e longo prazo. O acesso a recursos financeiros e assistência técnica para capacitação permitiram aos países desenvolver cenários mais integrados usando ferramentas mais sofisticadas e sistemas de planejamento energético mais abrangentes.
Brasil: resumo das boas práticas e suas principais instituições de planejamento energético
Estabelecendo uma estrutura de governança forte
A EPE (Empresa de Pesquisa Energética) é um órgão público federal com responsabilidade permanente pelos estudos de planejamento energético para subsidiar a formulação de políticas e planos. Ela presta serviços ao Ministério de Minas e Energia, realizando estudos e pesquisas para subsidiar o planejamento. Ao mesmo tempo, as políticas e diretrizes energéticas publicadas pelo Ministério são utilizadas como insumo para o planejamento.
Essa sinergia permite ao governo formular objetivamente as questões a serem abordadas com cada plano. Embora os planos sejam desenvolvidos na perspectiva do governo, é muito importante construir um consenso entre governo, empresas e sociedade. Assim, a EPE realiza processos participativos que permitem levar em conta as contribuições de outros atores. Isso envolve workshops, consultas públicas, apresentações e discussões. As lacunas identificadas nesses processos participativos são analisadas em estudos adicionais. Dada a complexidade dos setores de eletricidade e petróleo e gás, o método preferido da EPE é a análise integrada dos resultados da modelagem detalhada do setor
Melhorando o uso do cenário – esclarecendo o propósito da construção do cenário
O Plano Nacional de Energia 2050 foi concebido para apoiar o desenho de uma estratégia de longo prazo que orientará a formulação de políticas para a transição energética. O objetivo do PNE 2050 não foi estabelecer metas quantitativas ambiciosas, mas sim harmonizar as políticas existentes, explicar a lógica por trás delas e orientar a formulação de novas ações necessárias para realizar a transição energética.
Estão a ser envidados esforços para chegar a um consenso (com empresas, cidadãos e consumidores), levando em conta as questões sociais e económicas. Com base na estratégia, serão elaborados planos de ação e mecanismos específicos de monitoramento da implementação.
O Brasil possui ampla experiência no desenvolvimento e análise de cenários para avaliação da expansão e operação do sistema elétrico, utilizando métodos altamente sofisticados para analisar a incerteza associada à geração hidrelétrica.
Comunicação transparente e eficaz
A comunicação transparente é fundamental para alcançar o consenso entre governo, empresas e sociedade para garantir que os planos governamentais estejam alinhados com a visão de longo prazo do país. Os líderes políticos no Brasil consideram os cenários energéticos como um valioso insumo para a formulação de políticas.
O processo que resultou na elaboração do Plano Nacional de Energia 2050 exigiu um esforço de comunicação considerável para explicar como interpretar o plano. Este foi um fator crucial no alto nível de receptividade e no sucesso do diálogo. O objetivo principal do plano era construir um consenso, e para isso foi necessário explicar a importância de “focar menos nos números e mais na consistência da estratégia, flexibilidade de caminhos, análise dos riscos envolvidos em cada decisão e bloqueio tecnológico”. Empresas, instituições, mídia e público se reuniram para entender, discutir e debater a estratégia que o Brasil seguirá no longo prazo.
Construindo o tipo certo de capacidade de cenário no governo
Programas internos de treinamento, parcerias com outras entidades e participação em fóruns internacionais para compartilhar experiências e aprendizados trouxeram resultados de sucesso no Brasil. Na EPE, foram realizados treinamentos internos sobre desenvolvimento e aplicação de cenários e uso de ferramentas analíticas. As atividades de capacitação ajudaram a fornecer uma melhor compreensão dos aspectos técnicos.
As parcerias criaram oportunidades para informar e educar os stakeholders e desenvolver novos cenários, como o Programa de Transição Energética envolvendo a EPE, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Uma boa prática que surgiu foi o compartilhamento de experiências e lições aprendidas internacionalmente.