Quando tinha 20 e poucos anos, passei dois anos vivendo na cidade de São Paulo. Uma das primeiras coisas que notei, assim que cheguei, foi a “onipresença” dos chinelos Havaianas. Pessoas usavam Havaianas para ir ao comércio, para ficar em casa, para sair com os amigos e até mesmo para jogar futebol, cuidar do jardim ou trabalhar na construção civil. Com suas cores intensas e o design icônico, elas são um símbolo da cultura vibrante do país, permeando todas as classes sociais, das vielas nas favelas até às lojas requintadas e os museus sofisticados do centro de São Paulo.
Apesar disso, as Havaianas não foram sempre tão populares e famosas. Com a modelagem inspirada no “zori”, um tipo de chinelo japonês feito com palha de arroz, os criadores das Havaianas venderam seu produto primeiramente à classe trabalhadora de renda mais baixa e a famílias cujo acesso a calçados confortáveis e duráveis era restrito. Para chegar às cidades e municípios remotos que seus consumidores viviam, os executivos da Alpargatas (empresa que detém as Havaianas) montaram uma frota de vendedores que ia até o interior do Brasil com Kombis cheias de chinelos. Os moradores das pequenas cidades faziam filas para receber os vendedores conforme eles chegavam, ansiosos para comprar as sandálias confortáveis e baratas vendidas em saquinhos plásticos.
Em apenas dois anos, a maioria dos trabalhadores de baixa renda do Brasil tinham um par de Havaianas. Em 1980, o governo do país incluiu as Havaianas na lista de itens fundamentais da vida do brasileiro.
Graças ao apoio de celebridades e a excelentes campanhas de marketing, os chinelos foram gradualmente se sofisticando e expandindo internacionalmente, com varejistas como Nordstrom e Saks Fifth Avenue vendendo os produtos nos Estados Unidos. Ainda assim, as Havaianas não perderam a sua identidade de chinelos para o dia a dia.
Atualmente, os brasileiros compram 200 milhões de pares a cada ano, uma marca bastante expressiva, dado que a população brasileira é apenas um pouco maior que 200 milhões de pessoas.
Enquanto a Havaianas se entrelaçava na trama da cultura brasileira, também gerava prosperidade para economia e para a população do país, criando milhares de novos empregos na manufatura, venda, distribuição e marketing. A empresa investiu também em infraestrutura para dar suporte à operação do negócio em todo o país, incluindo a construção de fábricas em algumas daquelas regiões remotas e menos desenvolvidas nas quais vendiam os chinelos no início. Seus enormes lucros forneceram suporte para o governo brasileiro na forma de impostos. O impacto das Havaianas foi muito além do Brasil, se estendendo para os mais de 60 países em que os chinelos são vendidos. Recentemente, a empresa anunciou que iria investir 20 milhões na Índia, nos próximos 5 anos, para criar um novo mercado de sandálias.
A trajetória de crescimento das Havaianas é mais do que uma história sobre chinelos populares. A sua rota de sucesso deixa várias lições para qualquer empreendedor que quer inovar e gerar impacto em mercados emergentes.
Primeiro, identifique e foque no não-consumo
O não-consumo fica evidente quando as pessoas recorrem a improvisos para progredir em suas vidas porque os produtos e serviços existentes no mercado são muito caros e complicados de usar.
Por exemplo: uma vez que os calçados duráveis e confortáveis estavam fora do alcance de muitos brasileiros, as alternativas eram usar sapatos velhos, desconfortáveis e de qualidade duvidosa ou ficar descalços, se expondo a lesões e infecções. Isso significa que, ao invés de competir com marcas de calçado sofisticadas, focadas em consumidores ricos, os designers das Havaianas precisavam apenas criar algo que fosse melhor que nada. Ao focar no não-consumo, os fabricantes das Havaianas entraram em um vasto novo mercado, com milhões de consumidores que não estavam satisfeitos com nenhuma solução oferecida anteriormente.
Segundo: mantenha a solução simples e acessível
A razão pela qual outros fabricantes de calçados falharam no mercado ocupado pelas Havaianas é que os seus produtos eram sofisticados demais. Eles usavam materiais caros e vendiam apenas nas lojas, aumentando os custos e tornando seus produtos inacessíveis. As Havaianas, por outro lado, eram extremamente simples, e consequentemente, baratas. Feitas com apenas uma sola de borracha e uma tira, elas deveriam ser “básicas, como o feijão com arroz de todo dia.”
Geralmente, pensamos que a solução para problemas difíceis virão de complexas descobertas tecnológicas, enquanto na maioria das vezes, essas soluções só ficam disponíveis para uma minoria de pessoas que podem pagar. Frequentemente, uma resposta mais eficiente é criar produtos que sejam simples, acessíveis e bons o suficiente, o que permite às pessoas fazerem progresso onde, até então, elas não podiam. Isso resulta em mais pessoas participando da economia, levando ao crescimento e à criação de empregos.
Terceiro: não faça apenas bons produtos. Garanta sucesso de mercado
Os designers das Havaianas cumpriram todos os itens da lista de um bom produto: durável, confortável e acessível. Mas os chinelos provavelmente não teriam se tornado tão populares se fossem vendidos apenas pelos varejistas das grandes cidades, uma vez que os potenciais consumidores viviam em áreas remotas ou favelas, onde a pobreza era crescente. Uma vez que a distribuição convencional nessas regiões era complicada e imprevisível, os criadores das Havaianas integraram a distribuição e a venda na sua operação de negócio, criando uma frota de vendedores itinerantes em kombis da empresa, reconhecendo que nem o melhor produto poderia ser lucrativo na falta de consumo. Ao criar novos mercados, empreendedores normalmente precisam internalizar os componentes da cadeia como um todo para conseguir sucesso. E isso geralmente requer investimentos iniciais maiores.
As Havaianas deram grandes passos desde a sua primeira aparição nos pés dos brasileiros, há cinquenta anos. Os chinelos atemporais viraram um símbolo global da cultura brasileira, mas pra mim, eles também representam o poder do impacto positivo que uma inovação pode gerar para uma pessoa e para um país.
Lincoln Wilcox é pesquisador do Christensen Institute, onde pesquisa como indivíduos, negócios, organizações, e governos podem alavancar a inovação para criar prosperidade em países e comunidades de baixa renda
Texto original publicado no blog do Clayton Christensen Institute, think tank sem fins lucrativos e apartidário dedicado a melhorar o mundo por meio da inovação disruptiva.