“O motor financeiro que gera a metade dos empregos do mundo está prestes a travar”, essa é a forma como Michael Schlein, CEO da Accion, uma ONG americana que promove inclusão financeira, se posiciona. Assim como a pandemia tem forçado micro, pequenas e médias empresas (MPME) a fecharem, muitas outras terão sérios problemas em reabrir.
De acordo com o Banco Mundial, MPMEs empregam mais de 50% da força de trabalho global, mas são frequentemente excluídas do sistema bancário formal, o qual é necessário para suas operações em bons e maus momentos. Enquanto estão impossibilitadas de operar, o impacto sobre cai na vida de milhões de pessoas que tem seus salários pagos por estes pequenos negócios. Mas mesmo antes da pandemia, a desigualdade de acesso ao sistema bancário já afetava bilhões de pessoas ao redor do mundo. Seja a total falta de acesso bancário ou pela impossibilidade de acesso ao crédito, estes não dispunham de qualquer engenharia financeira a seu serviço.
Através de uma outra visão, enxergamos essas pessoas e empresas excluídas do sistema financeiro de não-consumidores. Para diversas organizações, não-consumidores podem parecer um mercado não-atrativo em razão do seu modesto potencial de consumo, mas para inovadores criadores de mercado, como o Nubank, estes não consumidores significam uma grande oportunidade.
No início, era apenas um grande problema
A história do Nubank, diferentemente de várias histórias de inovadores criadores de mercado que temos estudado, começa quando seus fundadores experimentaram pessoalmente a dificuldade de acesso ao sistema de serviços bancários no Brasil. Nenhum deles poderia ser considerado “pobre”, mas perceberam que perdiam muito tempo no relacionamento com seus bancos, o que certamente também fazia parte da realidade de muitos outros brasileiros. Eles estavam certos.
Acontece que aproximadamente 45 milhões de adultos no Brasil sofrem com a falta de acesso a serviços financeiros. Explorando o problema mais a fundo, os empreendedores do Nubank que, mesmo aqueles que tinham o privilégio de acesso ao sistema financeiro, estão bastante insatisfeitos com os serviços que recebiam. Desde as altas taxas bancárias cobradas à quantidade de tempo que levavam para terem suas demandas atendidas para terem um simples serviço prestado, o que parecia ser o modelo de negócio para vários bancos o que levava a uma grande frustação de seus clientes. O setor bancário brasileiro é um dos mais burocráticos e caros do mundo e muito pouco competitivo considerando os cinco maiores bancos que dominam o mercado. O co-fundador do Nubank, David Vélez e seus colegas estavam convencidos que havia uma enorme oportunidade para a criação de um novo mercado que fizesse a experiência bancária simples e acessível. Nas palavras de outra co-fundadora, Cristina Junqueira, “Cada problema pode ser uma oportunidade para inspirar e ser solucionado através do empreendedorismo”.
É importante notar que as oportunidades de criação de novos mercados em países como o Brasil, com um PIB per capta de mais de R$ 34.000,00, geralmente pode parecer diferente do que as em países em extrema pobreza. Em países muito pobres o não-consumo é muitas vezes óbvio – porque muito poucos produtos e serviços são acessíveis, sendo que a grande parte da população não consegue ter acesso a eles. Em países, onde a economia é um pouco mais estruturada, uma grande parcela da população pode invariavelmente ter acesso a serviços como o bancário, mas por causa de várias barreiras encontradas, milhões permanecem como não-consumidores de vários serviços financeiros.
Como o Nubank mudou essa situação
Como os mercados existentes são estruturados para atender a certos clientes de uma forma específica, as inovações criadoras de mercado, que viabilizam um modelo de negócios completamente novo para atingir os não consumidores, geralmente parecem impossíveis antes que empreendedores criem este novo mercado. A maioria dos feedbacks recebidos inicialmente pelos empreendedores do Nubank foram negativos, mas eles perseveraram. Intuitivamente eles focaram em alavancar sua plataforma tecnológica e buscaram um novo modelo de negócio para transpor típicas barreiras ao consumo: acesso, tempo, dinheiro e capacidade.
Acesso e Tempo
Antes do Nubank, no Brasil, era comum a necessidade da ida pessoalmente a uma agência bancária todas as vezes que você tivesse que resolver um problema relacionado a sua conta. Isso significava faltas ao trabalho, custos em transporte e a espera em longas filas esperando seu atendimento, com a esperança sempre que ao final tivesse seu problema resolvido. O Nubank se antecipou na remoção dessas barreiras colocando a interação bancária a partir do seu smartphone como sua principal estratégia. A empresa permitiu aos seus clientes a criação de contas, requisição de linhas de crédito e a solução de uma enorme variedade de questões apenas a partir de seus smartphones. Dessa forma, as pessoas conseguiam economizar seu tempo e aumentar seu acesso aos serviços bancários.
Capacidade
Em países onde a infraestrutura de acesso ao histórico de adimplência é existente e confiável, é extremamente fácil conseguir acesso ao crédito, o que possibilita milhões de pessoas se plugarem ao sistema. No caso do Brasil, como acesso ao histórico de crédito é bastante burocrático e, nem sempre confiável, as pessoas têm que desenvolver seu próprio modo, ou capacidade, para comprovar que são confiáveis e merecedoras. Geralmente, é necessário conhecer as pessoas “certas” e descobrir por si próprios como acumular, avaliar e garantir seus ativos e ainda estimar qual é a melhor taxa de juros que se adequa a sua realidade e capacidade de pagamento. O Nubank removeu essa barreira para seus clientes através do desenvolvimento de um novo modelo de pontuação de crédito, um método baseado em data science através da interação com os smartphones de seus clientes.
Dinheiro
Dinheiro ou capacidade financeira é de longe uma das maiores barreiras ao consumo. O Nubank removeu essa barreira através da não cobrança de taxas bancárias (até esta data os clientes do Nubank já economizaram quase R$ 8 Bilhões de reais em taxas). Além disso, as taxas de juros dos cartões de crédito do Nubank giram entre modestos 2,75% a 14%, bem abaixo dos que os 14% a 26% cobrados pelos bancos tradicionais.
A prosperidade trazida pelo impacto do Nubank
Neste momento, o Brasil é um dos países mais afetados pela pandemia do coronavirus. Em um momento em que brasileiros – e a comunidade global em sua maioria – sofrem para sair desta crise, é necessário que todas as pessoas tenham acesso garantido e seguro a linhas de crédito e outros serviços financeiros. Com este intuito, o Nubank já promoveu um enorme impacto. Dentre os seus 26 milhões de clientes, aproximadamente dois milhões ganham menos do que um salário mínimo, o que indica que a empresa teve êxito em garantir acesso bancário de forma simples e barata para todos.
Uma das principais características das inovações criadoras de mercado é que elas criam abertura para que novos empreendedores e investidores participem no novo mercado, levando um aquecimento da atividade econômica que resulta ao final na geração de novos empregos, infraestrutura e receita tributária. Apenas o Nubank emprega hoje mais de 2700 pessoas e, assim que outros players entram no mercado, muitos outros empregos podem ser criados. Além disso, desde a criação do Nubank, o mercado de fintechs no Brasil tem crescido rapidamente. Existem hoje cerca de 740 fintechs, comparados com apenas 200 em 2016.
A história do Nubank está ainda sendo escrita, uma vez que a empresa tem apenas sete anos de criação, mas seus fundadores já tem no seu radar o potencial de atingir mais de 250 milhões de latino-americanos que permanecem sem acesso bancário. Na visão e nas palavras de David “o livre acesso bancário para a América Latina”. Eles estão no caminho certo.
Efosa Ojomo é Pesquisador e Senior Fellow no Clayton Christensen Institute.
Tradução e adaptação: Christimara Garcia, fellow volutária no Clayton Christensen Institute.