Estamos vivendo o maior experimento de trabalho remoto da história e, diante do ineditismo, como os gestores podem exercer uma liderança mais humanizada, participativa e que arrefeça a ansiedade da equipe?
As partes do todo – Segundo a psicoterapeuta belga, Esther Perel, a pandemia trouxe consigo uma sensação de incerteza prolongada. Não apenas nos sentimos incertos sobre o futuro, como também não sabemos quando esse sentimento de incerteza terminará e isso nos leva à ansiedade.
Não saber o que acontecerá gera um grande incômodo em todos nós. Preferimos a certeza à incerteza a tal ponto que, de acordo com alguns estudos, preferimos a certeza de receber um choque elétrico agora a talvez recebê-lo mais tarde. Isso ocorre porque há uma maior ativação do sistema nervoso na espera por um choque imprevisível do que na recepção de um choque já esperado. E a última coisa que o Covid-19 nos trouxe foi a previsibilidade.
Soma-se à sensação de incerteza a experiência de fundir nossas muitas funções em um só lugar. Se seu filho entrar na sala em meio a um webinar seu para milhares de pessoas, você será um profissional, um streamer e uma mãe ou pai, ao mesmo tempo. Não há como escapar do impacto desse turbilhão de novidades.
Em pesquisa recente publicada na revista Social Science & Medicine foi comprovado que trabalhar por muito tempo pode levar ao estresse e esgotamento, além de condições médicas graves. É fundamental forçar uma pausa no trabalho e resistir à tentação de completar “apenas mais uma tarefa”. Além do mais, quando se está em uma posição de liderança, se desconectar pode passar a importante mensagem a toda a equipe de que está tudo bem “sair do escritório” quando o dia de trabalho terminar.
Um grande desafio – E, pensando no papel dos gestores na saúde mental do seu time, entrevistamos Luis Felipe Cortoni, diretor da LCZ Desenvolvimento de Pessoas, para discorrer sobre o assunto. De acordo com o psicólogo, quadros de doença mental nestes tempos de isolamento vão além da ansiedade, sendo diversos: depressão, stress, burnout. Isso faz com que os líderes possam realmente estar enfrentando questões complexas nesse sentido.
“A primeira questão é justamente a saúde mental dos gestores, já que não estarão aptos a cuidar dos outros se não estiverem bem consigo mesmos. As empresas precisam se preocupar com a saúde mental de seus líderes e oferecer ajuda, seja com intenções de cura ou de prevenção. Eles são agentes de disseminação de saúde mental e só podem fazer isso se estiverem bem. Líderes com o mínimo de equilíbrio emocional podem perceber melhor como a equipe está”, afirma.
Partindo da premissa da saúde mental do gestor estar satisfatória, Cortoni afirma que é possível que ele participe na prevenção e detecção desse tipo de problema em seu quadro de colaboradores. Aqui vão algumas dicas:
Prevenção – escute ativamente, acolha, forneça suporte, alinhe gestão do tempo, metas e entregas. Também dê atenção ao alívio de tensões, avalie o nível de stress da equipe através de conversas e reuniões de estreitamento de relações.
Detecção – observe comportamentos atípicos, como atrasos, distorções da fala, mudanças bruscas de humor, relatos de problemas com sono, alimentação, concentração e desmotivação. “Os líderes devem procurar ajuda de profissionais disponibilizados ou indicados pela empresa para abordar essas questões de saúde mental. Mas nunca, em hipótese alguma, se envolver com o caso ou tentar qualquer tipo de intervenção”, adverte.
E na retomada? – Muito se fala do retorno às atividades presenciais, mas pouco se debate o apoio aos funcionários que desenvolveram algum tipo de patologia, como depressão ou ansiedade, durante a quarentena e agora precisarão retomar o antigo modelo de trabalho. Como as empresas devem conduzir essa retomada?
“Das experiências de empresas que estão preparando o retorno ao ambiente de trabalho que conheço, a franca maioria delas está endereçando a questão da saúde mental. Isto me parece um ótimo sinal, que demostra que o ambiente corporativo está reconhecendo o problema; coisa que muito poucas praticavam antes da pandemia, no dia a dia do trabalho, em condições “normais”, mesmo com a manifestação das doenças mentais estava em ascendência“, relata Cortoni.
No entanto, a maior parte das ações de saúde mental no retorno ao ambiente de trabalho se limita à oferta de tratamento psicológico individual. Uma espécie de: “você tem o problema e precisa cuidar dele”, sendo que o isolamento durante a pandemia contribuiu para o adoecimento mental. “Por que, então, não promover ações coletivas de revinculação à empresa no retorno? Ou ainda, reforçar as práticas de prevenção de saúde mental no ambiente de trabalho”, sugere o psicólogo.
Calma e análise – A adoção de um mindset saudável durante esta crise é muito importante. Trata-se da coisa mais poderosa que você pode controlar em uma situação que esteja além do seu controle. É um período desafiador, mas medo, pânico e preocupação nos preparam para nada. E, paradoxalmente, essas respostas negativas ao atual cenário nos tornam ainda mais vulneráveis ao vírus.
De acordo com estudo publicado em artigo da Forbes, cientistas moleculares descobriram que certos padrões de pensamento estressantes, como ruminação e pessimismo, podem encurtar nossos telômeros – os invólucros no final de nossos cromossomos – acelerando o envelhecimento e nos levando a morrer mais cedo. Portanto, além de lavar as mãos, é preciso limpar nossas mentes para compensar o pensamento catastrófico.
As empresas estão optando, com anuência de seus funcionários, pelo trabalho híbrido: presencial e remoto. Para Cortoni, isso acrescenta novas questões à discussão da saúde mental. “E aqueles que ficarão em casa permanentemente, o que fazer para prevenção da saúde mental deles? As empresas estão partindo do princípio de que o home office é saudável. Pode até ser que, de fato, seja saudável, mas será que a longo prazo isto também será verdade?”.