O empreendedorismo feminino e materno vem conquistando cada vez mais relevância no cenário brasileiro. Mas, mesmo com a maioria dos novos CNPJs sendo criados por mulheres, elas ainda tem pouquíssima representatividade quando o assunto é a criação de startups.
Segundo a Startupbase, apenas 16% das startups brasileiras têm uma mulher entre os seus fundadores. Qual o contexto social, econômico e até ambiental em que esses negócios femininos se desenvolvem? Qual o propósito dessas mulheres?
O empreendedorismo feminino é considerado a segunda revolução feminina no mercado de trabalho. A primeira aconteceu quando a mulher deixou de ser dona-de-casa e conquistou visibilidade profissional. A segunda foi quando ela deixou o emprego (e até mesmo cargos importantes na hierarquia de empresas) decidida a abrir o próprio negócio para conseguir equilibrar melhor a vida profissional e familiar.
Não foi um caminho fácil. Mas, na última década, o movimento ganhou visibilidade na sociedade e até mesmo com os bancos, que começaram a criar linhas de crédito voltadas para esse público. Um fator crucial nesse processo evolutivo foi a internet, que passou a conectar redes de mulheres com dilemas em comum, interesses e talentos complementares, promovendo networking e encontros virtuais muito produtivos. Depois, a tecnologia passou a ser adotada também para facilitar a gestão e viabilizar o home-office.
A conexão 24 horas por dia derrubou o horário comercial, os limites territoriais e as possibilidades só se multiplicaram ao longo do tempo. O potencial de inovação que a tecnologia trouxe para os negócios liderados por mulheres é um dos focos do projeto de Patrícia Travassos, escritora do livro “Minha mãe é um Negócio!” e responsável pelo projeto “Inovar é um Parto!”.
Patrícia, por que inovar é um parto?
Travassos – Eu costumo dizer que inovar é um parto para todos, não só para as mulheres. A transformação digital exige não só a adoção de novas tecnologias, como também uma mudança cultural, de postura e nos força a deixar velhos hábitos para trás. É um processo doloroso! A boa notícia é que, assim como acontece no parto, depois que a criança nasce, a mãe tende a esquecer a dor e a focar nas expectativas positivas que a nova vida pode trazer. É assim também no processo de transformação digital.
E, em tempos de pandemia, quem auxilia as mães empreendedoras nessa tarefa?
Travassos – Seja na tarefa de ser mãe ou de inovar, a parceria é fundamental. Trocar ideias, experiências, somar referências culturais… A diversidade é importantíssima na formação de um filho, assim como no crescimento de qualquer empresa. Eu sempre faço analogias entre a maternidade e o empreendedorismo porque acredito profundamente que abrir uma empresa é como ter mais um filho para criar, que nos exige atenção 24×7. E acredito também que há habilidades importantes para qualquer líder que podem ser desenvolvidos no exercício da criação de um filho.
Quais impactos essa quarentena tem trazido ao empreendedorismo feminino?
Travassos – Durante esse período, tenho entrevistado mulheres (fundadoras de startups, influenciadoras digitais e empreendedoras em geral) que foram impactadas de diversas formas: há quem encontrou na crise uma oportunidade. Como a startup BeepSaúde, que viu sua demanda por vacinas em casa explodir durante o isolamento social. Ou como a GamerSafer, uma startup de proteção da comunidade de gamers, voltada para atender famílias preocupadas com quem seus filhos formam times em rede – que acabou se tornando um filtro importante para preservar nossa cidadania digital em tempos de hiperconexão.
Há também quem tenha visto seu mercado desaparecer do dia para a noite e precisou que criar soluções para se manter relevante na comunidade que já havia construído. Exemplo disso é a Bora.ai_sp, uma plataforma digital que faz a curadoria de eventos culturais para crianças e ganhava uma porcentagem da venda de ingressos. E também a LadyDriver, uma startup de transporte criada para motoristas mulheres atenderem passageiras mulheres.
Acho que agilidade e adaptabilidade são as palavras de ordem nesse momento, e servem tanto para mulheres quanto para homens à frente dos seus negócios. Se quiser “puxar sardinha” para o nosso lado, acho que temos mais jogo de cintura quando o assunto são relações sociais, a comunicação e a empatia, o que nesse momento têm se provado cruciais para a negociação com fornecedores, colaboradores, consumidores, etc.
Você acha que o chamado “novo normal” já virá com um espaço maior às mulheres?
Travassos – Depende do tempo que a crise durar. Se voltarmos ao normal hoje, rapidamente retornaremos aos comportamentos que tínhamos antes. Se o isolamento perdurar mais e as famílias estabelecerem parcerias mais equilibradas em relação ao trabalho com a casa e com questões pessoais, pode ser que, na volta, as mulheres sejam mais respeitadas, valorizadas e conquistem mais espaço nas empresas.
Mas isso não é um processo automático. Acho que o fator “humanidade” está sendo colocado à prova nesse período. Executivos estão se deparando com suas escolhas pessoais quando passam 24 horas por dia em casa e são obrigados a conciliar a “vida real” com o trabalho. A comida não “surge” mais na frente deles, a casa não fica “magicamente” limpa e as crianças não aprendem longe dos olhos dos pais. É preciso dedicar-se ao equilíbrio nesse momento. E quem não estava acostumado com isso está sofrendo para conciliar a velha performance com a nova rotina. Isso pode transformar nosso futuro para melhor.